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2002

FÁBIO OLIVEIRA NUNES







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A produção brasileira de web arte

Fabio Oliveira Nunes (Fabio FON)

 

1. Antecedentes

As experiências artísticas utilizando-se de redes já datam de algum tempo. Muito antes do advento do computador pessoal, a arte postal – no Brasil, muito em voga nos anos 60 – foi um movimento transnacional, muitas vezes paralelo ao circuito oficial das artes, onde os artistas trocavam imagens por meio do correio tradicional. Estabelecem-se vínculos de intercâmbios de imagens e delineia-se a produção de trabalhos artísticos coletivos com participantes fisicamente distantes.

Com os avanços tecnológicos no campo dos satélites e das transmissões eletromagnéticas, surge um novo elemento para a produção de experimentações artísticas: o instantâneo. Agora, torna-se possível estabelecer novos vínculos e intercâmbios imagéticos com possibilidades sincrônicas, uso do tempo real com parte inerente ao trabalho artístico e o alcance fisicamente distante. Assim, começam as primeiras experiências artísticas utilizando-se de artefatos eletroeletrônicos como a televisão de varredura lenta (Slow Scan TV), o telefone, o fax, e as redes de computadores que de início eram estabelecidas somente para eventos determinados e logo a seguir, desfeitas. Da associação das telecomunicações com a informática, surge o termo Telemática (Simon Nora e Alain Minc, 1978), que constitui o termo “arte telemática” que determina trabalhos criados nas redes de telecomunicações com o uso da informática. Com o início do uso comercial da Internet, as estruturas – redes físicas e conexão de espaços – para as experimentações artísticas em rede de computadores, antes estabelecidas para eventos pontuais, deixam de ser unicamente efêmeras.

2. Artes na rede Internet

Os espaços que levam a insígnia “artes” na Internet, de um modo geral, encontram-se em dois grupos distintos. A rede mundial pode ser utilizada como meio de divulgação de trabalhos que existem independentemente da rede – pinturas, esculturas, vídeos – e que utilizam códigos e técnicas inerentes aos meios a que pertencem, apresentando-se na rede sob a forma de fotografias, espaços em terceira dimensão simulando galerias de arte e vídeos em streaming. Por outro lado, a Internet pode apresentar trabalhos que existem dentro das especificidades do meio, questionando suas práticas, utilizando suas capacidades de alcance, proporcionando mundos virtuais ou desenvolvendo espaços com tecnologias específicas para a Internet, enfim, realizando trabalhos que desde a sua concepção, voltam-se para a sua existência dentro da rede. Para estes trabalhos, surgiram vários termos como ciber-art, net-art e o mais utilizado: Web Arte. Gilbertto Prado define esses dois grupos:

"Sites de divulgação: dessa categoria faz parte a maioria dos sites que se encontra sobre a rubrica ‘arte’ na Internet. Cabe assinalar que muitos dos trabalhos artísticos disponíveis na rede, são imagens digitalizadas desse material que estão expostas em galerias e espaços museais. A rede nestes casos, funciona basicamente como um canal de informação e indicativo para uma possível visita a esses espaços. O caráter de informação e divulgação são prioritários e remetem a todo tempo à obra original e/ou seu autor e/ou espaço de exposição. (...)

Sites de realização de eventos e trabalhos na rede: Nos dois primeiros grupos que citamos acima (sites de divulgação), as redes são sobretudo ‘estruturas’, nos dois grupos que se seguem elas intervêm mais como ‘obra’. Essa participação pode ser compartilhada diretamente com outros ou ser desencadeada a partir de dispositivos particularmente desenvolvidos e direcionados para esses eventos. Por esta classificação, não queremos dizer que os artistas sejam definidos por uma única forma de trabalhar como sua característica exclusiva. As diferentes aproximações artísticas de produção em rede não se excluem, elas são algumas vezes complementares e geralmente concomitantes.

a) Dispositivo: É uma estrutura em rede estendida em diferentes locais, onde o espectador e/ou artista agem – sem estar em contato com outras pessoas – diretamente sobre o dispositivo, para iniciar uma ação. O trabalho artístico se estabelece com o desencadear da ação que é proposta pelo artista, conceptor da ‘obra’ e que se inicia com a participação do espectador.

(...)

b) Interface de contato e partilha: Trata-se também de formações efêmeras de redes, mas nas quais os trabalhos existem somente e graças a diferentes participantes em locais diversos. Não é somente a noção de fronteira que é quebrada, mas também o desejo de estar ‘em relação’ com outros. As redes nesse caso são utilizadas sobretudo com a intenção de um trabalho coletivo e partilhado".

3. Particularidades da Web Arte

Atualmente, a Web Arte apresenta-se como uma expressão com linguagem ainda em definição. Muito do que é produzido para a Internet parte de paradigmas de outros meios como a pintura, a fotografia, o cinema, o vídeo e o design impresso. As semelhanças formais e estruturais – conceitos de meios lineares criam navegações lineares – resultam em transcodificações de trabalhos que exploram – ou recusam – somente algumas das possibilidades específicas do meio Internet.

Por outro lado, em vertente avessa, encontram-se trabalhos que partem para a auto-referência, abordam práticas comuns do usuário da rede como o carregamento de arquivos, a leitura de e-mails, o receio de contaminação por vírus e as suas expectativas – velocidade de carregamento, legibilidade – diante de cada página ou espaço navegado. Esses trabalhos exigem em primeiro lugar, um repertório extremamente específico – para ir além de uma leitura baseada unicamente em impressões estéticas e composições visuais, em alguns casos, conhecer a práxis da rede, proporciona outros níveis de leitura.

Entre os trabalhos mais conhecidos de auto-referência na rede, está o Jodi , que originou um “estilo” de criação de sites artísticos, onde os elementos habituais da Internet , como botões, listas de formulários, animações GIF e outros, passam a ter uma dimensão estética, compondo visualmente um universo caótico, repetitivo, de caminhos desconexos mantendo sempre inúmeras relações com o universo tecnológico.

Há ainda trabalhos que buscam a especificidade do meio através da participação e interação de visitantes entre si e/ou diretamente no trabalho proposto. São espaços ou eventos que podem fazer referência a algum meio de origem, distante da Internet ou serem auto-referentes e que através de dispositivos de ação em espaços remotos, webcams e ambientes multi-usuário, proporcionam uma interação em tempo real nos espaços e o contato direto entre indivíduos num universo comum.

4. Artistas brasileiros

A produção dos artistas brasileiros para a rede Internet ainda é incipiente quando comparada com outros meios tecnológicos já consagrados. Trata-se, de uma produção com paradigmas em formação, com um público muito restrito – devido às especificidades tecnológicas de alguns trabalhos – e com crítica brasileira “especializada” quase inexistente.

Considerando que cada novo meio traz consigo, paradigmas específicos para a resolução de questões inerentes a sua linguagem, hoje, muito do que é produzido – não só no Brasil, como em todo o mundo – parte de princípios já consolidados e institucionalizados em outros meios antecessores, como a pintura e o vídeo. Essa prática é uma constante em toda a história da arte e novamente, temos a oportunidade de acompanhar de perto, o estabelecimento gradual de conceitos tanto artísticos como teóricos para a leitura destes trabalhos. Embora seja uma constante, é interessante observar que a Web Arte, visto o pouco tempo em que se inseriu no circuito das artes visuais, sendo inclusa em eventos como a 24ª Bienal de São Paulo, pode encontrar sua particularidade em relação a outras linguagens, também em tempo reduzido – o que certamente não fará perder a sua propriedade processual e a multiplicidade de resultados visuais existentes nos trabalhos em que nela se inserem.

No Brasil, podemos observar diversas linhas de trabalho que adotam a rede Internet para a realização de experimentações artísticas, utilizando-a tanto em relação a espaços externos físicos como também, sob a forma de sites artísticos e ambientes virtuais em terceira dimensão.

Em relação a espaços físicos distantes conectados – muitas vezes, espaços expositivos de instituições culturais – temos a pesquisa artística de Eduardo Kac, que estabeleceu a “telepresence art”, utilizando câmeras e outros dispositivos em trabalhos como “Ornitorrinco in Eden” (1994), onde em diversos pontos distantes era possível estabelecer uma colaboração compartilhada de controle de um robô pelos participantes anônimos e, mais recentemente, “Gênesis” (2000), onde mutações cromáticas em bactérias eram realizadas por meio de radiação ultravioleta a cada visita real ou virtual a web instalação.

Uma outra utilização da Internet em relação a espaços externos físicos foi realizada por Gilbertto Prado, na web instalação “Depois do turismo vem o colunismo”(1998), no Paço das Artes em São Paulo, onde a disponibilização de imagens do espaço expositivo em tempo real na rede, mesclada por imagens de banco de dados, pautava o olhar estrangeiro e a antropofagia.

Já a utilização artística da Internet sob a forma de sites é a mais comum e caracteriza-se normalmente por ser menos efêmera quando comparada com os eventos realizados com imagens de espaços físicos remotos. Parte desta produção mostra-se como auto-referente, tendo muitas vezes a metalinguagem dos processos, conceitos e técnicas específicas da web bem como a estetização e destituição de função de elementos do universo computacional (botões, tabelas, ícones) como ponto de partida. Um bom exemplo disso, é o site “Lands Beyond” (1997), dos artistas Thiago Boud’hors e Celso Reeks, onde a estetização de elementos da interface computacional está em meio a diversas citações literárias. Outro site onde a metalinguagem está presente é “<Content=no cache>” (2000) de Giselle Beiguelman.

O meio abordado de uma maneira mais “poética” e mais distante de resultados estético-visuais baseados em elementos comuns em páginas web, pode ser visto em trabalhos brasileiros como “Netlung”(1997) de Diana Domingues, Gilbertto Prado, Suzete Venturelli e Tânia fraga, onde se explora o ato simbólico de respirar na rede, propondo diversas maneiras de abordar o sensorial e “Perspectiva Clássica” (1999) de Daniel Sêda, onde acontece uma colagem de imagens de outros sites, estabelecendo uma colcha de retalhos virtuais de leitura fragmentada e simultânea.

Outros trabalhos, já se mantêm mais distantes da auto-referência e partem para a tradução e releitura de trabalhos de outras linguagens, como acontece no site do artista Rui Amaral – “ArtBr Web Arte”(1998) – com referências ao Graffiti; assim como em “Aller” (1997), de André Vallias, uma antologia poética de navegação labiríntica. Outros sites numa situação limítrofe entre a poesia visual e a Web Arte são “Sígnica – Balaio da Era pós-verso (apesar do verso)” (2000), do grupo homônimo sob a coordenação de Omar Khouri e “Econ” (1999) de Silvia Laurentiz, espaço virtual em terceira dimensão, onde o visitante “caminha” por palavras, estabelecendo novas maneiras de ler um poema.

As experimentações brasileiras em ambientes virtuais em terceira dimensão, até agora, apresentam-se em menor número quando comparadas com os sites artísticos em HTML . Assim como as páginas HTML, os ambientes virtuais podem ser monousuário ou multi-usuário . No primeiro tipo, temos entre outros trabalhos, “Movemaker” (1999) de Rejane Cantoni, espaço tridimensional com relações visuais da Op arte e “Id.RG 76439-A” (1999) de Daniela Kutschat. Já o trabalho “Desertesejo”(2000) de Gilbertto Prado, é um mundo virtual em 3D constituindo de diversos espaços diferentes, sendo que, em parte dele, é possível o contato entre visitantes em tempo real sob a presença de avatares. A solidão, a contemplação e ritos de passagem fazem parte do universo criado neste trabalho.

Assim, da mesma forma que a produção internacional, a multiplicidade de experimentações dos artistas brasileiros reflete paradigmas em formação, idéias que flutuam sob um mar de possibilidades e caminhos possíveis em meio a conceitos que vão se estabelecendo diante do fazer artístico na web.

Artigo publicado em: Cadernos da Pós-Graduação. Instituto de Artes/UNICAMP, Campinas, SP. Volume V, No.2, 2001. ISSN 1516-0793 .
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