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Estrutura Hipertextual
Fabio Oliveira Nunes (Fabio FON)
Define-se como hipertexto, um documento que é composto
por diferentes blocos de informações interconectadas
tanto com partes do mesmo documento ou com outros documentos que
seguem o mesmo padrão de funcionamento. Em qualquer site
da Internet é possível observar a utilização
prática das teorias do hipertexto, por meio do funcionamento
dos hiperlinks - ou simplesmente links: várias imagens,
palavras ou partes de texto possuem uma propriedade diferente
das demais que é transformar o cursor "seta"
do mouse em um cursor em formato de "mãozinha".
Aqui está identificado um hiperlink (também chamado
de caminho) que irá transportar o internauta para uma outra
parte do mesmo documento, para uma outra página do mesmo
site ou para algum arquivo relacionado (como um arquivo de som
ou uma imagem ampliada). Os hiperlinks são elos associativos,
verdadeiras pontes entre diferentes espaços, que ao serem
clicados podem tanto aprofundar um determinado assunto como mostrar
outros assuntos próximos e relacionados.
Considera-se Ted Nelson o inventor do termo hipertexto, no início
dos anos 60, que exprime o sonho de manter os pensamentos em sua
estrutura multidimensional e não sequüencial. No artigo
"Virtual world without end" (nota)
de 1992, o autor define: "As idéias não
precisam ser separadas nunca mais (...) Assim eu defino o termo
hipertexto, simplesmente como escritas associadas não-seqüenciais,
conexões possíveis de se seguir, oportunidades de
leitura em diferentes direções".
Os documentos hipertextuais hoje são sinônimos de
documentos digitais, em especial, aqueles que são criados
para a Internet e CD-ROMS, como enciclopédias digitais
por exemplo. Mas será que somente agora com a digitalização
da informação, o ser humano teve acesso ao hipertexto?
Segundo o físico e matemático Vannevar Bush (1945)
a mente humana trabalha basicamente por meio de associações
gerais. As informações do cérebro humano
não são organizadas em uma ordem hierárquica,
mas sim interligadas e associadas como uma rede - uma net. Roy
Ascott (1997:337) ainda vai além: "A Internet
é a infra-estrutura crua de uma consciência emergente,
um cérebro global. A Net reforça o pensamento associativo,
hipermediado, pensamento hiperlincado - o pensamento do artista.
É a inteligência das redes neurais, hipermediado.
Isto é o que eu chamo de hipercórtex".
Assim, a associação com fins de levar a outros objetivos
sempre fez parte da consciência humana. É tão
antiga quanto o pensamento.
Nilton Bonder (1996) aponta em seu livro "Portais Secretos",
uma composição de características hipertextuais
na compilação do Talmud - uma das mais importantes
obras do judaísmo, considerada a interpretação
autêntica da Torá, a lei escrita judaica, criada
nos primeiros séculos da nossa era - onde em uma mesma
página vários comentários se encontram nos
cabeçalhos e rodapés, ao redor do bloco de texto
principal, estabelecendo ligações com outras parte
do texto talmúdico ou do texto bíblico. Além
de ser algo um tanto inovador no que se diz ao "design"
da página, uma curiosidade interessante é que grande
parte dos comentários era originária de várias
partes do globo e reunidos nesta publicação. Bonder
define o Talmud como a primeira página interativa da história
humana. Hoje, muito do que é produzido na literatura em
textos impressos visa uma leitura não-linear:
"Textos literários supostamente não-lineares
não são novidade. Para citar apenas alguns exemplos,
temos O Jogo de Amarelinha, de Júlio Cortazar (1966), Composition
numéro 1, de Marc Saporta (1965), Se numa noite de inverno
um viajante...(1981), de Italo Calvino, O Dicionário Kazar
(1988), de Milorad Pavitch, o famoso conto de Jorge Luis Borges
sobre "O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam" (1941),
etc, etc, etc. Cada uma dessas obras tem uma estrutura específica
e busca "quebrar" a linearidade da narrativa de uma
forma particular. No caso da obra de Saporta, o formato nem é
o de um livro convencional, mas sim uma série de cartelas
soltas, como um baralho, que o leitor pode misturar à vontade
antes de cada leitura. No caso de Cortazar, por outro lado, apesar
dele declarar na Introdução de O Jogo de Amarelinha
que aquele é um livro com muitos livros, na verdade ele
acaba sugerindo apenas duas formas de leitura, sendo somente uma
delas "não-linear". Na verdade há todo
um percurso de textos impressos ditos "não-lineares"
que são os precursores do Hipertexto. Uma breve "Cronologia
da Tradição Não-Linear em Literatura",
organizada por C.J.Keep, dá uma idéia desse percurso
e desses precurssores pré-hipertextuais, ou hipertextuais
avant-la-lettre." (Palacios, s/d)
O primeiro documento interativo
da história - O Talmud é uma das
obras mais importantes do judaísmo pós-bíblico
e é considerado como a interpretação
autêntica da Torá, a lei escrita. Apresenta-se
como uma grande compilação de comentários
sobre a lei judaica, provenientes de várias partes
do planeta nos primeiros séculos de nossa era. Sua
composição visual resume-se em um texto principal
que é contornado por outros textos menores que são
comentários e referências a outros pontos do
texto talmúdico ou bíblico. Assim, pela existência
de "links" entre os textos é considerado
por muitos como o primeiro texto interativo que se tem notícia.
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Hoje, muitos autores utilizam-se da não-linearidade como
uma maneira de criar trabalhos hipertextuais poéticos que
jogam com a complexidade e caos informacional. Um clássico
exemplo é Afternoon, a story (1997) de Michel Joyce, onde
o texto eletrônico é atualmente comercializado em
formato de um disquete, sendo produzido em um software especialmente
desenvolvido para criar tramas usando o hipertexto, chamado de
Storyspace.
"Michel Joyce, (...), em seu Afternoon, a story, apropria-se
da estrutura hipertextual para realizar um trabalho instigante:
narrativas em primeira pessoa se mesclam a mudanças de
cenários imprevisíveis. Ironicamente, Afternoon,
a story não apresenta links visíveis. Isso, por
um lado, pode ser visto como uma proposta de não direcionar
o leitor a rotas predeterminadas; por outro, parece que Joyce
quis romper com toda a expectativa inicial de um leitor em hipertexto".
(Leão, 1999:20)
Além de Joyce, outros autores como Stuart Moulthrop e Ed
Falco são autores de importantes trabalhos de ficção
em hipertexto, entre as quais podemos citar: Victory Garden e
Sea Island, respectivamente.
Assim, seja digital ou não, os documentos que se utilizam
de uma estrutura de hipertexto possibilitam ao leitor, a definição
de uma leitura única e pessoal, já que a princípio
não há um percurso preestabelecido pelo autor -
e sim, percursos possíveis a serem percorridos. Cabe ao
leitor, guiado por seus objetivos e seu repertório, escolher
a cada passagem de um ponto a outro, para onde seguir criando
sua própria linha de leitura, dentro de um documento que
será sempre multi-linear, dotado de ramificações
a cada ponto de escolha. No caso da Internet, essa seqüência
de escolhas e possibilidades de caminhos será infinita.
Aqui caracteriza-se um tipo de interatividade constante nos meios
digitais - mas não exclusiva -, aquela que é muito
mais comportamental do que somente interpretativa e se dá
em tempo real: as respostas se dão no mesmo momento em
que o leitor determina uma escolha (Domingues, 1997).
Na versão impressa desta pesquisa, o leitor irá
se deparar com uma construção hipertextual em toda
a sua extensão, de maneira a ser mais do que um simples
apanhado de informações de um meio criado com bases
no hipertexto - a Internet - e sim ser uma breve amostra prática
das possibilidades multidimensionais que a rede proporciona, onde
de acordo com escolhas pessoais, o leitor constrói sua
própria leitura, podendo voltar várias vezes e estabelecer
novos percursos bastando apenas fazer outras escolhas. Possibilita-se
ainda, o aprofundamento de temas que citados em um ponto, poderão
ser tratados mais a fundo em tópicos específicos
e sua atitude contrária: entender o todo sem necessidade
de adentrar questões muito específicas.
A cada tópico, vários hiperlinks serão disponibilizados
ao leitor, tanto no meio como no final de cada texto, com o objetivo
de aprofundar ou ampliar a visão de determinado tema abordado.
Cada tópico recebe um número determinado com o objetivo
de identificar e organizar todos os tópicos para serem
mais facilmente encontrados pelo leitor. E um marcador de página
será muito útil para demarcar a última página
vista - algo que poderá ter aqui um uso muito próximo
do comando voltar dos navegadores de Web - para retornar ao ponto
anterior caso uma escolha não tenha sido bem sucedida de
acordo com os interesses do leitor. Da mesma forma que temos na
rede, vários sites de busca conhecidos do grande público
como Yahoo!, Alta Vista, WebCrawler, Cadê e Radar UOL, temos
também uma maneira objetiva de chegar ao ponto desejado
sem ter que navegar muito por entre outras informações
de menor interesse: no final da pesquisa encontra-se um índice
remissivo dos assuntos tratados.
Mais do que uma metáfora do mecanismo funcional da grande
rede, a estrutura hipertextual aqui busca utilizar-se da metalinguagem
- elemento típico da arte contemporânea -como forma
de traduzir em um suporte impresso, a experiência corriqueira
de quem busca algum tipo de informação na Internet:
a interatividade.
Este texto é parte integrante
do Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharelado em Artes
Plásticas “Web Arte no Brasil: A arte telemática
criada por artistas brasileiros para a Internet”, realizado
sob a orientação do Prof. Dr. Milton Sogabe na UNESP
– Universidade Estadual Paulista. Esta pesquisa em nível
Iniciação Científica contou com
o apoio da FAPESP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato.
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