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Sites metalinguísticos de
web arte
Fabio Oliveira Nunes (Fabio FON)
Falar de si mesma, é algo que a arte já realiza
a muito tempo: desde as primeiras vanguardas do século
XX, que não só os elementos visuais dos objetos
artísticos - cores, formas, linhas e suporte - mas a própria
prática artística e seus conceitos são discutidos
pelos artistas. Muitos vanguardistas, de movimentos como o Dada,
Neoplasticismo e a arte conceitual, propõem muito mais
do que novos temas ou novas maneiras de representação:
tratam-se de artistas que buscam uma reformulação
de conceitos intrínsecos a própria arte. Na pintura,
a necessidade de discutir valores próprios como a resolução
da pincelada, o caráter pictórico ou a relação
de cores, tornou-se muito comum e ainda hoje é ponto de
fundamento para poéticas contemporâneas centradas
em questionar o próprio meio e suporte.
Podemos caracterizar o uso da metalinguagem como importante elemento
da arte contemporânea que, explicitamente ou não,
está contido em muito do que se produz em arte, hoje. É
talvez neste ponto que a produção artística
de Web Arte encontra fortes semelhanças com a arte de galeria,
mesmo que quando comparadas não apresentem nenhuma paridade
formal. O web artista Celso Reeks, um dos criadores do site brasileiro
"Lands
Beyond", fala sobre o caráter auto-referente das
criações artísticas da Web:
"É uma linguagem nova, que está se definindo
agora, por isso é tão auto-referente. Isso possibilita
uma reflexão sobre o próprio meio, talvez seja uma
maneira de entendê-lo. Além disso, há uma
tendência própria da década de 90, onde todos
os artistas que se querem modernos procuravam fazer trabalhos
atemporais. Na Web isso é fundamental, pois não
sabemos quem vai vê-los, nem onde ou quando" (retirado
da matéria "Web Arte, talento em telas virtuais",
Revista Galileu nº 92, 1999)
Assim, a partir da necessidade de questionar o próprio
suporte digital e o meio telemático, surgem diversos trabalhos
experimentais que desvirtuam a função tradicional
de acúmulo das mais diversas informações
textuais que todo site possui e que passam a romper com as expectativas
prévias do usuário comum. Sobre os "costumes"
já adquiridos pelos usuários comuns deste meio digital,
define-se:
" Com relação ao design das páginas
dos sites em geral, existe uma expectativa prévia. Esperam
que as 'páginas' sejam rápidas ao 'abrir', que as
informações estejam colocadas de maneira clara e
direta, fáceis de serem visualizadas; com uma navegabilidade
fácil, intuitiva e bem 'sinalizada', dando indicativos
de onde se está dentro daquele site; que hajam alternativas
'clicáveis' de saída para outros pontos, tanto dentro
do próprio site, quanto para outros endereços da
rede." (Vannucchi, 1999:112)
Um dos primeiros e mais conhecidos trabalhos de Web Arte que simplesmente
dispõe uma simulação de situação
de risco para o visitante é o site
holandês Jodi, criado em meados de 1995 por Joan Heemskerk
e Dirk Paes Mans, onde telas simulam erros, defeitos e vírus
de computadores e o ruído de informação é
levado a pontos extremos. Este site é um importante precursor
de uma estética que seria a influência de muitos
outros sites mais tarde. Hoje, alguns críticos do meio
digital acreditam que o estilo Jodi já se tornou um lugar
comum, cada dia mais recorrível. Sobre a experiência
de navegar neste site, descreve-se:
"O usuário procura sentido para as conexões
realizadas, que não atuando como o conhecido, geram um
desconforto pela desordem provocada e pelo inesperado, perde-se.
Associada à esta idéia de desconforto, o medo constante
de vírus, das doenças, que conseguem danificar e
apagar a memória das máquinas e a vida das pessoas.
Uma ameaça permanente, quando a escolha de percurso do
usuário pode chegar ao nada. O usuário fica em 'pane'
ou entra em 'looping'! Este site configura 'máquinas',
que não trabalham com o esperado; produz uma sensaçào
de reconhecimento da tecnologia da comunicação em
redes, ao mesmo tempo que burla o comportamento do usuário
e corrompe a função semântica dos códigos
formadores. Neste sentido em algumas páginas, o autor ao
trabalhar com a linguagem HTML forma elementos gráficos
visuais apresentados no display como formas plásticas não
figurativas, mas que vão adquirir sentido e compreensão
quando o documento de programação em HTML é
visualizado. Acontece aqui esta inversão da função
da informação em produzir algo legível para
o usuário, enquanto a linguagem de programação
traduz para a máquina." (Donati, 1997:110)
Jodi estabelece duas maneiras de interpretação,
uma primeira, realizada pelo computador ao ler o código-fonte
da HTML criada na confecção da página e outra,
pelo usuário, que necessitará do seu repertório
semântico de informações para decifrar os
elementos que surgem. Este site é um exemplo clássico
de discussão centrada na linguagem do meio, que caracteriza
os sites metalinguísticos de Web Arte. O uso da iconografia
relacionada com o ciberespaço, metáforas de funções
e contatos realizados na Internet e referências a símbolos
comuns do meio informático são típicas características
dos sites de Web Arte denominados como Metalinguísticos.
O uso de elementos tão específicos de quem tem acesso
ao ciberespaço,
pode resultar em trabalhos herméticos para a maioria dos
espectadores, mesmo que - em via de regra - para acessar uma criação
na rede seja necessário um mínimo de conhecimento
em informática e como funciona a Internet.
Tudo azul! - Quebrar as
expectativas do usuário comum da rede é uma
dos objetivos de grande parte dos sites de Web Arte da Internet.
Fazer com que o usuário repense a sua relação
com o meio, ao se deparar com uma situação
inusitada é no mínimo, instigante para alguns
artistas que têm em suas criações, características
da metalinguagem. Assim é com o alemão "Unendlich,
fast" que possui uma enorme página azul sem
praticamente nenhum link ou informação escrita.
Visitado em 25 de Julho de 2000. http://www.thing.at/shows/ende.html
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É claro que nem todas criações centradas
na metalinguagem, vão utilizar os elementos típicos
do computador como parte integrante de uma composição
estética: vários sites irão partir para o
uso de metáforas que apresentam similaridade com práticas
do computador ou da rede. O alemão Holger Friese, em seus
trabalhos ligados a Web, trata do comportamento do usuário
frente a tela do computador através da negação
dos elementos habituais de navegação e uso de metáforas.
Em seu site "Unendlich,
fast..." ("Infinito, quase"), criado em 1995,
o autor nos faz pensar na dificuldade de achar informações
e a imensidão da rede. Trata-se de um site de uma única
página em azul que através das barras de rolagem
existentes na horizontal e vertical, poderemos deslizar pela página
em busca de alguma informação, imagem ou palavra.
Diante da grande extensão desta página tanto horizontalmente
como verticalmente, o usuário poderá simplesmente
desistir e ir embora. Aqueles que forem um pouco mais exploradores
irão encontrar alguns caracteres soltos - linhas e estrelas
- sem nenhum link para outra página. Ao romper com as atitudes
usuais (não há inclusão de hiperlinks para
outras páginas ou a busca de facilidades na navegação)
e causar um desconforto por conta disso, é que o artista
propõe ao usuário que reflita sobre seu comportamento:
" A imensidão da tela totalmente azul, em 'Unendlich,fast...',
pode nos levar (...) a uma associação entre a imensidão
da rede e a imensidão do espaço sideral. O elemento
oculto num ponto único e determinado da tela remete tanto
à dificuldade de se encontrar uma informação
na Web como à dificuldade de se localizar um ponto específico
do espaço. Tanto as informações na Web, quanto
um ponto no espaço ou o próprio elemento gráfico
existente em 'Unendlich, fast...' se tornam facilmente localizáveis
depois que suas localizações (o endereço
Web, as coordenadas celestes ou a posição dos marcadores
da barra de rolagem em relação ao browser) são
conhecidas." (Vannucchi, 1999:113)
As metáforas de "Unendlich,fast" são bem
claras: tanto as estrelas quanto as linhas são elementos
tidos como infinitos, assim como a rede, onde não é
possível determinar onde é o término de informações.
A tela de cor azul - que inconscientemente já traz referências
celestes ou marítimas - dado ao seu tamanho não
convencional, faz com que o usuário busque a informação
de um modo mais exagerado e incerto, porém não muito
diferente do que está acostumado a fazer normalmente no
seu cotidiano do ciberespaço.
A metalinguagem nos atos de Onos
Utilizar a rede para discutir o próprio meio não
é exclusividade dos sites estrangeiros de Web Arte. Entre
os brasileiros - objeto principal desta pesquisa - existem vários
sites Metalinguísticos de Web Arte e o site "Onos
- On Operating System" é um deles. Criado em 1999
pelo autor desta pesquisa, "Onos" parte dos princípios
de um sistema operacional paralelo e seus ruídos de comunicação.
O site "Onos - On Operating System" não trata
exatamente de elementos próprios da rede: o sistema operacional
Microsoft Windows - o mais usado por computadores pessoais em
todo o mundo - é o objeto inicial deste trabalho que se
apresenta como uma grande paródia das práticas e
fatos do meio informático e consequentemente trata da rede.
Como toda paródia, existe a necessidade de conhecimento
por parte do espectador do ponto de origem da criação:
o sistema operacional escolhido - Microsoft Windows - é
sem dúvida, parte integrante do repertório de grande
parte dos usuários da Internet. É muito provável
que muitos usuários da rede já se depararam com
fatos típicos deste sistema - e de outros que seguem o
seu princípio - como as falhas de softwares ou infestações
de vírus de computadores.
Qual é o ônus? -
Onos - On Operating System parte do repertório do
usuário comum dos programas baseados na plataforma
Microsoft Windows e estabelece um sistema operacional paralelo,
repleto de ruídos de informação que
o tornam sem qualquer tipo de funcionalidade. Criado em
1999 pelo autor desta pesquisa, possui uma navegação
em rede extremamente labiríntica. |
Assim, "Onos" inicia-se com uma tela padrão
muito similar ao sistema operacional "Windows", com
alguns ícones clicáveis disponíveis e com
uma barra de tarefas sem qualquer tipo de funcionalidade. Embora
possua alguns textos que se aproximam muito das características
de contestação e afirmação de manifestos
artísticos - típicos das vanguardas do início
do século XX - o site baseia-se na estetização
dos atos corriqueiros do usuário típico do computador:
práticas comuns como verificar a caixa de entrada do correio
eletrônico, abrir o processador de textos e utilizar o programa
de mensagens instantâneas são destituídas
de suas funções e oferecem experiências insólitas
para o visitante. A arquitetura de navegação, adotada
pelo artista, maximiza o caráter insólito do site:
uma estrutura de rede com vários ciclos internos que ao
levarem o visitante diversas vezes ao mesmo espaço proporcionam
uma experiência labiríntica repetitiva. Por outro
lado, existe algo de narcisista que perpassa todas as páginas:
além do fato de que o sistema operacional leva as iniciais
do nome do artista - as letras "O" e "N" -
em "On Operating System", o logotipo padrão aqui
é a figura do autor quando mais jovem que está presente
na abertura de cada um dos segmentos do site.
Os muitos
pontos de vista de Perspectiva Clássica
Outro site de Web Arte criado por um artista brasileiro que se
utiliza de elementos da metalinguagem da rede é "Perspectiva
Clássica" desenvolvido em 1997 por Daniel Sêda.
Diferentemente de "Onos - On Operating System", de Fábio
Oliveira Nunes, onde o trabalho volta-se para si mesmo podendo
até mesmo ser visualizado fora da rede, em um suporte off-line,
em "Perspectiva", existe uma grande colagem de outros
sites da Internet que são justapostos na mesma tela.
A incorporação e apropriação é
um dos elementos comuns entre arte e Internet. Desde os artistas
do Cubismo que as artes plásticas realizam inúmeras
variações de uso de colagens onde elementos visuais
são retirados de um contexto e justapostos com outros,
formando um significado. Esta prática ganhou grande notoriedade
com os dadaístas que foram além do bidimensional,
como o dada Kurt Schwitters que ocupava um aposento inteiro de
sua casa em Hannover (Alemanha) com a incorporação
dos mais diversos objetos - que encontrava pela rua ou ganhava
de amigos - na sua gigantesca instalação de arte.
No Brasil, a colagem foi a técnica utilizada nos anos 70
para a difusão da arte postal - aqui com forte participação
de nomes como Regina Silveira e Walter Zanini - que por sua vez,
é considerada como um importante movimento antecessor da
Web Arte.
Por outro lado, a rede pode ser vista como um misto de incorporação
e apropriação, já que além das práticas
comuns de desconsideração a direitos autorais, a
possibilidade de inclusão de um frame em qualquer site
com outros sites da rede possibilita a apropriação
e justaposição de páginas de lugares distintos,
incorporando outras informações no site que estabeleceu
o frame. Em "Perspectiva Clássica", uma gigantesca
rede de neurônios está divida em vários frames
de uma mesma página. Em muitos dos neurônios existentes,
estabelece-se links para outros sites predeterminados pelo artista
que não poderão ser navegados diante do pequeno
tamanho de cada um dos frames. Trata-se de um grande painel da
gigantesca diversidade e quantidade de informações
da rede ao mesmo tempo que o internauta multiplica-se em sua existência
pela Internet. Os neurônios representam cada um dos nós
existentes na rede. Essa metáfora - uma das mais conhecidas
metáforas sobre o funcionamento da Internet - parte do
princípio de necessidade de relação entre
cada um dos pontos que, por sua vez, são destituídos
de uma hierarquia entre eles.
Este texto é parte integrante
do Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharelado em Artes
Plásticas “Web Arte no Brasil: A arte telemática
criada por artistas brasileiros para a Internet”, realizado
sob a orientação do Prof. Dr. Milton Sogabe na UNESP
– Universidade Estadual Paulista. Esta pesquisa em nível
Iniciação Científica contou com
o apoio da FAPESP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato. |