|
A produção brasileira
de web arte
Fabio Oliveira Nunes (Fabio FON)
1. Antecedentes
As experiências artísticas utilizando-se de redes
já datam de algum tempo. Muito antes do advento do computador
pessoal, a arte postal – no Brasil, muito em voga nos anos
60 – foi um movimento transnacional, muitas vezes paralelo
ao circuito oficial das artes, onde os artistas trocavam imagens
por meio do correio tradicional. Estabelecem-se vínculos
de intercâmbios de imagens e delineia-se a produção
de trabalhos artísticos coletivos com participantes fisicamente
distantes.
Com os avanços tecnológicos no campo dos satélites
e das transmissões eletromagnéticas, surge um novo
elemento para a produção de experimentações
artísticas: o instantâneo. Agora, torna-se possível
estabelecer novos vínculos e intercâmbios imagéticos
com possibilidades sincrônicas, uso do tempo real com parte
inerente ao trabalho artístico e o alcance fisicamente
distante. Assim, começam as primeiras experiências
artísticas utilizando-se de artefatos eletroeletrônicos
como a televisão de varredura lenta (Slow Scan TV), o telefone,
o fax, e as redes de computadores que de início eram estabelecidas
somente para eventos determinados e logo a seguir, desfeitas.
Da associação das telecomunicações
com a informática, surge o termo Telemática (Simon
Nora e Alain Minc, 1978), que constitui o termo “arte telemática”
que determina trabalhos criados nas redes de telecomunicações
com o uso da informática. Com o início do uso comercial
da Internet, as estruturas – redes físicas e conexão
de espaços – para as experimentações
artísticas em rede de computadores, antes estabelecidas
para eventos pontuais, deixam de ser unicamente efêmeras.
2. Artes na rede Internet
Os espaços que levam a insígnia “artes”
na Internet, de um modo geral, encontram-se em dois grupos distintos.
A rede mundial pode ser utilizada como meio de divulgação
de trabalhos que existem independentemente da rede – pinturas,
esculturas, vídeos – e que utilizam códigos
e técnicas inerentes aos meios a que pertencem, apresentando-se
na rede sob a forma de fotografias, espaços em terceira
dimensão simulando galerias de arte e vídeos
em streaming. Por outro lado, a Internet pode apresentar trabalhos
que existem dentro das especificidades do meio, questionando suas
práticas, utilizando suas capacidades de alcance, proporcionando
mundos virtuais ou desenvolvendo espaços com tecnologias
específicas para a Internet, enfim, realizando trabalhos
que desde a sua concepção, voltam-se para a sua
existência dentro da rede. Para estes trabalhos, surgiram
vários termos como ciber-art, net-art e o mais utilizado:
Web Arte. Gilbertto Prado define
esses dois grupos:
"Sites de divulgação: dessa categoria
faz parte a maioria dos sites que se encontra sobre a rubrica
‘arte’ na Internet. Cabe assinalar que muitos dos
trabalhos artísticos disponíveis na rede, são
imagens digitalizadas desse material que estão expostas
em galerias e espaços museais. A rede nestes casos, funciona
basicamente como um canal de informação e indicativo
para uma possível visita a esses espaços. O caráter
de informação e divulgação são
prioritários e remetem a todo tempo à obra original
e/ou seu autor e/ou espaço de exposição.
(...)
Sites de realização de eventos e trabalhos
na rede: Nos dois primeiros grupos que citamos acima (sites de
divulgação), as redes são sobretudo ‘estruturas’,
nos dois grupos que se seguem elas intervêm mais como ‘obra’.
Essa participação pode ser compartilhada diretamente
com outros ou ser desencadeada a partir de dispositivos particularmente
desenvolvidos e direcionados para esses eventos. Por esta classificação,
não queremos dizer que os artistas sejam definidos por
uma única forma de trabalhar como sua característica
exclusiva. As diferentes aproximações artísticas
de produção em rede não se excluem, elas
são algumas vezes complementares e geralmente concomitantes.
a) Dispositivo: É uma estrutura em rede estendida
em diferentes locais, onde o espectador e/ou artista agem –
sem estar em contato com outras pessoas – diretamente sobre
o dispositivo, para iniciar uma ação. O trabalho
artístico se estabelece com o desencadear da ação
que é proposta pelo artista, conceptor da ‘obra’
e que se inicia com a participação do espectador.
(...)
b) Interface de contato e partilha: Trata-se também
de formações efêmeras de redes, mas nas quais
os trabalhos existem somente e graças a diferentes participantes
em locais diversos. Não é somente a noção
de fronteira que é quebrada, mas também o desejo
de estar ‘em relação’ com outros. As
redes nesse caso são utilizadas sobretudo com a intenção
de um trabalho coletivo e partilhado".
3. Particularidades da Web Arte
Atualmente, a Web Arte apresenta-se como uma expressão
com linguagem ainda em definição. Muito do que é
produzido para a Internet parte de paradigmas de outros meios
como a pintura, a fotografia, o cinema, o vídeo e o design
impresso. As semelhanças formais e estruturais –
conceitos de meios lineares criam navegações lineares
– resultam em transcodificações de trabalhos
que exploram – ou recusam – somente algumas das possibilidades
específicas do meio Internet.
Por outro lado, em vertente avessa, encontram-se trabalhos que
partem para a auto-referência, abordam práticas comuns
do usuário da rede como o carregamento de arquivos, a leitura
de e-mails, o receio de contaminação por vírus
e as suas expectativas – velocidade de carregamento, legibilidade
– diante de cada página ou espaço navegado.
Esses trabalhos exigem em primeiro lugar, um repertório
extremamente específico – para ir além de
uma leitura baseada unicamente em impressões estéticas
e composições visuais, em alguns casos, conhecer
a práxis da rede, proporciona outros níveis de leitura.
Entre os trabalhos mais conhecidos de auto-referência na
rede, está o Jodi
, que originou um “estilo” de criação
de sites artísticos, onde os elementos habituais da Internet
, como botões, listas de formulários, animações
GIF e outros, passam a ter uma dimensão estética,
compondo visualmente um universo caótico, repetitivo, de
caminhos desconexos mantendo sempre inúmeras relações
com o universo tecnológico.
Há ainda trabalhos que buscam a especificidade do meio
através da participação e interação
de visitantes entre si e/ou diretamente no trabalho proposto.
São espaços ou eventos que podem fazer referência
a algum meio de origem, distante da Internet ou serem auto-referentes
e que através de dispositivos de ação em
espaços remotos, webcams
e ambientes multi-usuário, proporcionam uma interação
em tempo real nos espaços e o contato direto entre indivíduos
num universo comum.
4. Artistas brasileiros
A produção dos artistas brasileiros para a rede
Internet ainda é incipiente quando comparada com outros
meios tecnológicos já consagrados. Trata-se, de
uma produção com paradigmas em formação,
com um público muito restrito – devido às
especificidades tecnológicas de alguns trabalhos –
e com crítica brasileira “especializada” quase
inexistente.
Considerando que cada novo meio traz consigo, paradigmas específicos
para a resolução de questões inerentes a
sua linguagem, hoje, muito do que é produzido – não
só no Brasil, como em todo o mundo – parte de princípios
já consolidados e institucionalizados em outros meios antecessores,
como a pintura e o vídeo. Essa prática é
uma constante em toda a história da arte e novamente, temos
a oportunidade de acompanhar de perto, o estabelecimento gradual
de conceitos tanto artísticos como teóricos para
a leitura destes trabalhos. Embora seja uma constante, é
interessante observar que a Web Arte, visto o pouco tempo em que
se inseriu no circuito das artes visuais, sendo inclusa em eventos
como a 24ª Bienal de São Paulo, pode encontrar sua
particularidade em relação a outras linguagens,
também em tempo reduzido – o que certamente não
fará perder a sua propriedade processual e a multiplicidade
de resultados visuais existentes nos trabalhos em que nela se
inserem.
No Brasil, podemos observar diversas linhas de trabalho que adotam
a rede Internet para a realização de experimentações
artísticas, utilizando-a tanto em relação
a espaços externos físicos como também, sob
a forma de sites artísticos e ambientes virtuais em terceira
dimensão.
Em relação a espaços físicos distantes
conectados – muitas vezes, espaços expositivos de
instituições culturais – temos a pesquisa
artística de Eduardo
Kac, que estabeleceu a “telepresence art”, utilizando
câmeras e outros dispositivos em trabalhos como “Ornitorrinco
in Eden” (1994), onde em diversos pontos distantes era possível
estabelecer uma colaboração compartilhada de controle
de um robô pelos participantes anônimos e, mais recentemente,
“Gênesis”
(2000), onde mutações cromáticas em bactérias
eram realizadas por meio de radiação ultravioleta
a cada visita real ou virtual a web instalação.
Uma outra utilização da Internet em relação
a espaços externos físicos foi realizada por Gilbertto
Prado, na web instalação “Depois do turismo
vem o colunismo”(1998), no Paço das Artes em São
Paulo, onde a disponibilização de imagens do espaço
expositivo em tempo real na rede, mesclada por imagens de banco
de dados, pautava o olhar estrangeiro e a antropofagia.
Já a utilização artística da Internet
sob a forma de sites é a mais comum e caracteriza-se normalmente
por ser menos efêmera quando comparada com os eventos realizados
com imagens de espaços físicos remotos. Parte desta
produção mostra-se como auto-referente, tendo muitas
vezes a metalinguagem dos processos, conceitos e técnicas
específicas da web bem como a estetização
e destituição de função de elementos
do universo computacional (botões, tabelas, ícones)
como ponto de partida. Um bom exemplo disso, é o site “Lands
Beyond” (1997), dos artistas Thiago Boud’hors
e Celso Reeks, onde a estetização de elementos da
interface computacional está em meio a diversas citações
literárias. Outro site onde a metalinguagem está
presente é “<Content=no
cache>” (2000) de Giselle Beiguelman.
O meio abordado de uma maneira mais “poética”
e mais distante de resultados estético-visuais baseados
em elementos comuns em páginas web, pode ser visto em trabalhos
brasileiros como “Netlung”(1997)
de Diana Domingues, Gilbertto Prado, Suzete Venturelli e Tânia
fraga, onde se explora o ato simbólico de respirar na rede,
propondo diversas maneiras de abordar o sensorial e “Perspectiva
Clássica” (1999) de Daniel Sêda, onde acontece
uma colagem de imagens de outros sites, estabelecendo uma colcha
de retalhos virtuais de leitura fragmentada e simultânea.
Outros trabalhos, já se mantêm mais distantes da
auto-referência e partem para a tradução e
releitura de trabalhos de outras linguagens, como acontece no
site do artista Rui Amaral – “ArtBr
Web Arte”(1998) – com referências ao Graffiti;
assim como em
“Aller” (1997), de André Vallias, uma antologia
poética de navegação labiríntica.
Outros sites numa situação limítrofe entre
a poesia visual e a Web Arte são “Sígnica
– Balaio da Era pós-verso (apesar do verso)”
(2000), do grupo homônimo sob a coordenação
de Omar Khouri e “Econ”
(1999) de Silvia Laurentiz, espaço virtual em terceira
dimensão, onde o visitante “caminha” por palavras,
estabelecendo novas maneiras de ler um poema.
As experimentações brasileiras em ambientes virtuais
em terceira dimensão, até agora, apresentam-se em
menor número quando comparadas com os sites artísticos
em HTML
. Assim como as páginas HTML, os ambientes virtuais
podem ser monousuário ou multi-usuário . No primeiro
tipo, temos entre outros trabalhos, “Movemaker”
(1999) de Rejane Cantoni, espaço tridimensional com relações
visuais da Op arte e “Id.RG
76439-A” (1999) de Daniela Kutschat. Já o trabalho
“Desertesejo”(2000)
de Gilbertto Prado, é um mundo virtual em 3D constituindo
de diversos espaços diferentes, sendo que, em parte dele,
é possível o contato entre visitantes em tempo real
sob a presença de avatares.
A solidão, a contemplação e ritos de passagem
fazem parte do universo criado neste trabalho.
Assim, da mesma forma que a produção internacional,
a multiplicidade de experimentações dos artistas
brasileiros reflete paradigmas em formação, idéias
que flutuam sob um mar de possibilidades e caminhos possíveis
em meio a conceitos que vão se estabelecendo diante do
fazer artístico na web.
Artigo publicado em: Cadernos
da Pós-Graduação. Instituto de Artes/UNICAMP,
Campinas, SP. Volume V, No.2, 2001. ISSN 1516-0793 .
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato.
|