|
|
|||||
|
É claro que nem todas as criações centradas na metalinguagem vão utilizar os elementos típicos do computador como parte integrante de uma composição estética: vários sites irão partir para o uso de metáforas que apresentam similaridade com práticas do computador ou da rede. O artista Holger Friese, em seus trabalhos ligados a Web, trata do comportamento do usuário frente à tela do computador através da negação dos elementos habituais de navegação e uso de metáforas. Em seu site “Unendlich, fast...” ("Infinito, quase") (http://www.thing.at/shows/ende.html), criado em 1995, o autor nos faz pensar na dificuldade de achar informações e a imensidão da rede. Trata-se de um site de uma única página em azul que através das barras de rolagem existentes na horizontal e vertical, poderemos deslizar pela página em busca de alguma informação, imagem ou palavra. Diante da grande extensão desta página tanto horizontalmente como verticalmente, o usuário poderá simplesmente desistir e ir embora: “não há conteúdo”. Aqueles que forem um pouco mais exploradores irão encontrar alguns caracteres soltos - linhas e estrelas - sem nenhum link para outra página. Ao romper com as atitudes usuais (não há inclusão de hiperlinks para outras páginas ou a busca de facilidades na navegação) e causar um desconforto por conta disso, é que o artista propõe ao usuário que reflita sobre seu comportamento. Rachelmauricio Nesta mesma condição metalingüística estão os trabalhos de web arte do projeto Rachelmauricio, ao quais vamos nos deter um pouco mais. No caso, até o momento presente, a criação está imersa em um misto de anonimato e personificação: na tentativa de conhecer mais sobre quem realiza estes trabalhos, descobrimos que seus criadores são identificados somente como rache12 e mnc1978, na maioria das vezes. O primeiro ponto a ser observado é que a Internet, ao mesmo em que é um espaço de exposição da privacidade dos indivíduos ali presentes, seja pela própria iniciativa dos internautas em sites de relacionamento, seja pela onisciência de sites de busca como o Google, é também um espaço do anonimato e da acepção de novas personas. Ainda que não seja hoje possível privar-se de ter a vida exposta na rede, torna-se possível criar uma representação que oculte a face real daquele que atua. Assim, apenas sabemos que os criadores rache12 e mnc1978, traduzidos em caracteres alfanuméricos, tal como logins e passwords da rede, nos oferecem o universo de Rachelmauricio a ser explorado.
A dupla proporciona um mundo muito fértil entre o design gráfico e a web arte, pervertendo a legibilidade e o tratamento convencional dos conteúdos. Os elementos gráficos – textos, imagens, animações – estão livres da obrigação de chegar a algum sentido ou funcionalidade – são elementos prioritariamente estéticos. A postura subversiva do projeto está presente em diferentes ferramentas e espaços da web, seja no microblog Twitter (http://twitter.com/rache1maurici02), no site de relacionamentos Facebook ou no repositório de vídeos Youtube (http://www.youtube.com/user/rachelmauricio), além de possuir blog (http://www.rachelmauricio.blogspot.com/) e site (http://www.rache12.com) com diversas experimentações. No site, grande parte das experimentações são animações. Nos demais espaços, observamos imagens e caracteres textuais sem um sentido referencial aparente: os caracteres apresentam-se em blocos, tais como blocos de textos, junto a imagens, da mesma forma de qualquer postagem do gênero, mas não se formam palavras, não são letras, mais sim traços, quadradinhos, círculos, pontos, organizados, sugerindo uma sistematização ortográfica. É um conteúdo referencialmente ilegível. Mas, além destas aparentes e ilegíveis seqüências temos inúmeras imagens de trabalhos em design que primam pelo caráter inusitado – tal como as próprias apropriações da dupla. Cadeiras, utensílios, luminárias, poltronas, itens destituídos de qualquer caráter convencional e, diversas vezes, no limite de sua utilidade. No caso do perfil do projeto no Facebook – perfil sem dados pessoais, diga-se – diariamente são realizadas diversas postagens, que destoam do uso prosaico da ferramenta. Nada é referencialmente dito. Não há deixar de perceber, então, que há uma pesquisa visual aprofundada sobre as relações de arte e design, complexidade e simplicidade, funcionalidade e inutilidade, estética e poética, ilegibilidade e leveza, industrial e manufaturado. Mas, Rachelmauricio não está abordando o design, especificamente. Sua maior propriedade é a metalinguagem. A cada imagem, nos mostra que suas ações no ciberespaço estão legitimadas em outros meios, em ações que nos fazem refletir sobre amplamente sobre formas e formatos, formação e informação. Em entrevista realizada antes da produção deste texto, os autores de Rachelmauricio apontaram suas preocupações com o lúdico, o movimento e a interatividade em seus trabalhos e ações. Há também uma preocupação com o discurso “aberto”, das múltiplas interpretações, que é próprio da arte contemporânea. São questões relevantes. Entretanto, que não há como não considerarmos – observando, claro, que há outras possíveis interpretações – a contribuição desta pesquisa artística com o discurso da não-funcionalidade e da metalinguagem da própria rede.
Retomando, então, a discussão iniciada nas considerações de McLuhan, observamos que estes trabalhos artísticos da rede Internet dedicam-se a subverter a funcionalidade prevista – a disposição de conteúdos objetivos – para fazer emergir situações nas quais o próprio meio é o protagonista. A “mensagem”, definida por McLuhan é a mudança de escala, a mudança de padrão que um meio introduz nas coisas humanas. Ao subverter as expectativas, essa Os sites como Rachelmauricio nos oferece uma “mudança de padrão”. Muito a ver com a visão de McLuhan sobre a “mensagem” como mudança de escala, a mudança de padrão que um meio introduz nas coisas humanas. Nestes sites de web arte, ao fazer-nos pensar em nossa relação com a máquina, a mensagem é o meio. Esse protagonismo não é, evidentemente, encarado com naturalidade ao usuário médio da rede Internet; há um incômodo perturbador de o sujeito deparar-se com estruturas aparentemente destituídas de sentido. Há que se observar que embora movimentos metalingüísticos similares estejam operando há tempos em outros meios (a que se observar, por exemplo, a discussão recorrente das estruturas e formas que constituem a linguagem pictórica – composição, linha, gesto, suporte – por pintores contemporâneos), a rede Internet é ainda vista com dificuldade fora do paradigma do conteúdo. Estes trabalhos nos conduzem a pensar em um meio em sua condição mais própria, com toda estranheza que isso impllica.
BIBLIOGRAFIA DONATI, Luisa Angélica Paraguai. Análise Semiótica do Site Jodi. In: CADERNOS DA PÓS-GRADUAÇÃO. Ano I, vol.1, n°2. Campinas: Instituto de Artes/Unicamp, 1997. p. 103-111. Texto publicado originalmente no site CRONÓPIOS (http://www.cronopios.com.br) em 20/07/2011. © Fábio Oliveira Nunes: entre em contato. |
|