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fabiofon.com
2003

FÁBIO OLIVEIRA NUNES







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Poéticas da interface: Experimentações Pessoais

CONTINUAÇÃO

Hipercromos era parte integrante do site ONOS, onde através de um dos ícones disponíveis na área de trabalho, era possível adentrar três situações distintas. A primeira situação foi chamada de “aproximação”, onde o convite proposto ao visitante era: “um elemento convida-o para o toque. Toque rápido – diz ele – aproxime-se, adentre meu interior. Percorra as minhas vísceras. E eu hei de me transformar em outro para que aquele outro seja uma nova experiência”. Era proposto o clique sobre um quadrado colorido, o qual ia alterando sua cor conforme se passava de uma tela a outra, bem como a cor do fundo. O diálogo colocava em questão, a relação cromática de figura/fundo. A segunda situação foi chamada de “transmutação”, que possuía o seguinte texto: “não preciso mais de você. Não quero mais que me percorra com o seu toque em busca de sensações. Contemple-me somente. Observe-me. Veja-me. E eu, metafórico, fico inconstante com a sua presença”. Nesta etapa, as cores gradualmente iam se alterando com o passar do tempo, gradualmente, pouco a pouco, sem ser necessário qualquer clique para desencadear a ação. Como um sistema autônomo, espectador passivo. A terceira e última situação – “ponto” – o texto: “gradativamente podemos dizer que evoluímos de um ponto a outro. Os dois igualmente desconhecidos. E talvez desconexos. E talvez cada vez mais desconhecidos”. Nesta etapa, as cores gradualmente eram alteradas a partir de um efeito não mais gradual – onde é possível ver cores intermediárias entre a origem e o destino – mas circular, onde uma circunferência ia aumentando de tamanho do centro da tela para as bordas, acionada pelo clique do visitante. Com a impossibilidade de visualização através dos navegadores mais recentes, surgiu Cromos (2001), experimentação produzida em Macromedia Flash.

Cromos foi constituído de cinco arquivos SWF de diferentes durações. Composto de encadeamento linear dos vários momentos, sua duração total é de cerca de cinco minutos, a partir do clique que abre a janela em tela cheia. Baseado em Hipercromos, mantêm o visitante com status de espectador – passivo – numa assumida recusa ao interativo/ativo tão em voga na produção em hipermídia. Essa postura – avessa – procura alcançar outras sensibilidades. A máquina não se apresenta para cobrar alguma atitude. Assim como numa janela, contempla-se com o tempo a passar.

6.6 Cabra Cega

Mais uma experimentação derivativa, desta vez, do trabalho Casa Escura, Cabra Cega (2001) possui exatamente a mesma práxis do semelhante trabalho anterior: a tela preta e os seus sons que se apresentam a partir do movimento do mouse. Porém, sua principal diferença está na sua estrutura, em que se possibilita caminhos distintos: há bifurcações em várias telas, possibilitando até percursos circulares em determinadas hipóteses.

Outro detalhe importante se diz respeito aos sons: já não mais relacionados ao ambiente doméstico, muitos são mais espalhafatosos, barulhentos ou mesmo rítmicos, numa relação mais lúdica. Sem a figura do “anfitrião”, o visitante só seguirá para as próximas telas a partir do clique exato sobre um botão que possua voz humana, mesmo que musicada ou alterada.

Este trabalho foi referenciado por Gilbertto PRADO (2003), em livro “Arte telemática: dos intercâmbios pontuais aos ambientes virtuais multiusuário”:

"Cabra Cega: o trabalho de Fábio Oliveira Nunes convida o espectador a explorar um espaço lúdico de referências unicamente sonoras, vozes que colocam-se no caminho".

O site Cabra Cega está on-line em http://www.fabiofon.com/cabracega .

6.7 Retardo n.2

Ainda na instância das relações homem/máquina, meio/mensagem – interface – surge Retardo n.2, também chamada de Delay n.2, (2003), minha experimentação mais recente.

Na produção de Cromos, atentei-me para as relações temporais na produção em hipermídia. Ainda que não apresentadas diretamente no trabalho, suscitou-me algumas idéias. O tempo em escassez, transformado em custo ao acessar a rede Internet, aliado a uma nova temporalidade, a velocidade da linguagem dos videoclipes, da auto-estrada, dos intervalos comerciais me faz pensar sobre algumas questões. Laymert GARCIA (2001), me fez vê-las com maior clareza:

"A técnica seria utilizada como uma espécie de mediação para a gente poder ver o mundo de um modo diferente daquele que vemos naturalmente. Nesse sentido, a relação entre arte e ciência também pode ser muito interessante, se concebermos que os dispositivos tecnológicos podem nos permitir ver o mundo de outra maneira. A arte digital, por exemplo. As tecnologias digitais permitem ver uma coisa que não era permitido. Esse é um aspecto produtivo da relação entre arte e tecnologia. As tecnologias digitais permitem modulações que nos permitem ver, principalmente, o tempo. Isso acontece no cinema. A gente vai ao cinema para ver o tempo passar. Não o tempo da nossa experiência, mas outras temporalidades de outras experiências que se tornam visíveis para nós. No campo das artes plásticas, cada vez mais vemos que o trabalho com as imagens, sejam nas vídeo-artes, nas instalações ou arte digital, a modulação aparece, com importância para captar o tempo e ver o tempo, torná-lo visível. Outro dia li um artigo da Doris Saat muito interessante sobre essas questões da arte. Doris Saat é a mulher do Charles Saat, um descobridor dos novos artistas britânicos surgidos nos últimos 15 anos. Há cerca de dez dias, ela escreveu um artigo no Independent sobre o futuro da arte, dizendo que o que estava acontecendo de mais interessante agora era a chamada arte digital, surgida nos anos 70 e, agora, começando a ficar madura e a aparecer. Por outro lado, o público também começava a estar maduro para este tipo de arte, porque a tecnologia já alterou nossa percepção. Para encerrar, ela considera o seguinte. O século XX foi o período no qual a pintura mostrou como reagir à invenção da fotografia. No século XXI o desafio é fato das artes estáticas se relacionarem com as artes do movimento, as artes dinâmicas, que são artes nas quais a gente vê o tempo, que tornam visível o tempo".

A produção do artista Bill Viola é também uma importante referência. Sua produção em vídeo remete a um universo de tempo psicológico, metafísico . Assim como o artista brasileiro Kiko Goifman, em trabalhos como Cronofagia (2002).

Partindo destas referências, entre outras, surge a experimentação Retardo n.2, desenvolvida em Macromedia Flash, composta de um único arquivo SWF com som. Assim que o visitante entra no site através do endereço http://www.fabiofon.com/retardo, uma nova tela se abre: nela, surgem as palavras “one moment...” seguidas de um indicador de download. Conjuntamente, surge um trecho da música “Xulunga (spirit dance)”, de Dead Can Dance , de trinta segundos, que irá se repetir continuamente.

Minimalista – Três momentos de Retardo n.2, conforme seu contador de download é preenchido. A título de curiosidade, este heterodoxo trabalho não foi aceito em nenhum dos eventos da área (arte digital) nos quais foi enviado e submetido à análise, o que não minimiza o seu valor dentro desta pesquisa artística pessoal.

O indicador de download irá persistir por cerca de seis minutos seguidos, onde além de “crescer” conforme o tempo, irá também, gradualmente esvaecer. Ao fim, indica-se o término – sem que qualquer outro conteúdo fosse apresentado – e numa outra janela, os créditos.

Em respeito à expectativa do visitante: espera-se que algo será transferido para o seu computador, algo de considerável tamanho, se levado em conta o tempo de “download” que pouco a pouco passa. Porém, o usuário poderá refletir na sua própria espera frente à tela, no valor dado ao seu tempo. É certo que um usuário padrão, distante de uma postura mais insistente, não se manterá pelo tempo “necessário” para visualização do trabalho integralmente. Não é uma temporalidade comum, o tempo contemporâneo, em sintonia com a rapidez do mundo moderno que conta aqui; muito pelo contrário.

Há uma contenda entre a monotonia e o relaxamento. A música de Dead Can Dance possibilita a inserção de um universo distante, num ritmo que propõe uma desaceleração gradual. Assim como Cromos – e mesmo Casa Escura – é um trabalho que pediria uma certa introspecção, sem distrações ou atividades paralelas – em contraponto a própria essência multitarefa dos sistemas operacionais. Pensando por esse caminho, seria um trabalho para ser visto absorto em si mesmo. Mas, certamente, essa leitura mais cuidadosa e focalizada é pouco recorrente entre aqueles que estão inseridos num meio pretensamente rápido como a Internet. Ou num universo em que a velocidade – a qualquer custo – é vista como bem-vinda, necessária e onipresente. Assim, é possível também ver essa situação como algo monótono, perverso no sentido de que a passagem do tempo do próprio visitante é sua maior dádiva. E vê-la passar, percorrendo um percurso leva a uma aparente insipidez. O tempo em vão. Mas é esse caráter esquizóide que intimamente me interessa. Um elemento estranho no fluxo desmedido das informações que nos perpassam.

A produção em web arte necessita de posturas que procurem questionar a tecnologia na qual está inserida e a relação desta com o humano enquanto novas possibilidades perceptivas e sociais. Pede-se uma postura crítica – nem deslumbrada, nem perdida no fetiche tecnológico – que procure por anseios do sensível frente à nossa percepção intimamente tecnologizada. Máquinas não fazem arte. Idéias fazem-na.

Parte integrante da dissertação de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas no universo da rede Internet", realizada sob a orientação do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre em contato.

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