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Poéticas da interface: Experimentações
Pessoais
CONTINUAÇÃO
Hipercromos era parte integrante do site ONOS, onde através
de um dos ícones disponíveis na área de trabalho,
era possível adentrar três situações
distintas. A primeira situação foi chamada de “aproximação”,
onde o convite proposto ao visitante era: “um elemento convida-o
para o toque. Toque rápido – diz ele – aproxime-se,
adentre meu interior. Percorra as minhas vísceras. E eu
hei de me transformar em outro para que aquele outro seja uma
nova experiência”. Era proposto o clique sobre um
quadrado colorido, o qual ia alterando sua cor conforme se passava
de uma tela a outra, bem como a cor do fundo. O diálogo
colocava em questão, a relação cromática
de figura/fundo. A segunda situação foi chamada
de “transmutação”, que possuía
o seguinte texto: “não preciso mais de você.
Não quero mais que me percorra com o seu toque em busca
de sensações. Contemple-me somente. Observe-me.
Veja-me. E eu, metafórico, fico inconstante com a sua presença”.
Nesta etapa, as cores gradualmente iam se alterando com o passar
do tempo, gradualmente, pouco a pouco, sem ser necessário
qualquer clique para desencadear a ação. Como um
sistema autônomo, espectador passivo. A terceira e última
situação – “ponto” – o texto:
“gradativamente podemos dizer que evoluímos de um
ponto a outro. Os dois igualmente desconhecidos. E talvez desconexos.
E talvez cada vez mais desconhecidos”. Nesta etapa, as cores
gradualmente eram alteradas a partir de um efeito não mais
gradual – onde é possível ver cores intermediárias
entre a origem e o destino – mas circular, onde uma circunferência
ia aumentando de tamanho do centro da tela para as bordas, acionada
pelo clique do visitante. Com a impossibilidade de visualização
através dos navegadores mais recentes, surgiu Cromos (2001),
experimentação produzida em Macromedia Flash.
Cromos foi constituído de cinco arquivos SWF de diferentes
durações. Composto de encadeamento linear dos vários
momentos, sua duração total é de cerca de
cinco minutos, a partir do clique que abre a janela em tela cheia.
Baseado em Hipercromos, mantêm o visitante com status de
espectador – passivo – numa assumida recusa ao interativo/ativo
tão em voga na produção em hipermídia.
Essa postura – avessa – procura alcançar outras
sensibilidades. A máquina não se apresenta para
cobrar alguma atitude. Assim como numa janela, contempla-se com
o tempo a passar.
6.6 Cabra Cega
Mais uma experimentação derivativa, desta vez,
do trabalho Casa Escura, Cabra Cega (2001) possui exatamente a
mesma práxis do semelhante trabalho anterior: a tela preta
e os seus sons que se apresentam a partir do movimento do mouse.
Porém, sua principal diferença está na sua
estrutura, em que se possibilita caminhos distintos: há
bifurcações em várias telas, possibilitando
até percursos circulares em determinadas hipóteses.
Outro detalhe importante se diz respeito aos sons: já
não mais relacionados ao ambiente doméstico, muitos
são mais espalhafatosos, barulhentos ou mesmo rítmicos,
numa relação mais lúdica. Sem a figura do
“anfitrião”, o visitante só seguirá
para as próximas telas a partir do clique exato sobre um
botão que possua voz humana, mesmo que musicada ou alterada.
Este trabalho foi referenciado por Gilbertto PRADO (2003), em
livro “Arte telemática: dos intercâmbios pontuais
aos ambientes virtuais multiusuário”:
"Cabra Cega: o trabalho de Fábio Oliveira Nunes
convida o espectador a explorar um espaço lúdico
de referências unicamente sonoras, vozes que colocam-se
no caminho".
O site Cabra Cega está on-line em http://www.fabiofon.com/cabracega
.
6.7 Retardo n.2
Ainda na instância das relações homem/máquina,
meio/mensagem – interface – surge Retardo n.2, também
chamada de Delay n.2, (2003), minha experimentação
mais recente.
Na produção de Cromos, atentei-me para as relações
temporais na produção em hipermídia. Ainda
que não apresentadas diretamente no trabalho, suscitou-me
algumas idéias. O tempo em escassez, transformado em custo
ao acessar a rede Internet, aliado a uma nova temporalidade, a
velocidade da linguagem dos videoclipes, da auto-estrada, dos
intervalos comerciais me faz pensar sobre algumas questões.
Laymert GARCIA (2001), me fez vê-las com maior clareza:
"A técnica seria utilizada como uma espécie
de mediação para a gente poder ver o mundo de um
modo diferente daquele que vemos naturalmente. Nesse sentido,
a relação entre arte e ciência também
pode ser muito interessante, se concebermos que os dispositivos
tecnológicos podem nos permitir ver o mundo de outra maneira.
A arte digital, por exemplo. As tecnologias digitais permitem
ver uma coisa que não era permitido. Esse é um aspecto
produtivo da relação entre arte e tecnologia. As
tecnologias digitais permitem modulações que nos
permitem ver, principalmente, o tempo. Isso acontece no cinema.
A gente vai ao cinema para ver o tempo passar. Não o tempo
da nossa experiência, mas outras temporalidades de outras
experiências que se tornam visíveis para nós.
No campo das artes plásticas, cada vez mais vemos que o
trabalho com as imagens, sejam nas vídeo-artes, nas instalações
ou arte digital, a modulação aparece, com importância
para captar o tempo e ver o tempo, torná-lo visível.
Outro dia li um artigo da Doris Saat muito interessante sobre
essas questões da arte. Doris Saat é a mulher do
Charles Saat, um descobridor dos novos artistas britânicos
surgidos nos últimos 15 anos. Há cerca de dez dias,
ela escreveu um artigo no Independent sobre o futuro da arte,
dizendo que o que estava acontecendo de mais interessante agora
era a chamada arte digital, surgida nos anos 70 e, agora, começando
a ficar madura e a aparecer. Por outro lado, o público
também começava a estar maduro para este tipo de
arte, porque a tecnologia já alterou nossa percepção.
Para encerrar, ela considera o seguinte. O século XX foi
o período no qual a pintura mostrou como reagir à
invenção da fotografia. No século XXI o desafio
é fato das artes estáticas se relacionarem com as
artes do movimento, as artes dinâmicas, que são artes
nas quais a gente vê o tempo, que tornam visível
o tempo".
A produção do artista Bill Viola é também
uma importante referência. Sua produção em
vídeo remete a um universo
de tempo psicológico, metafísico . Assim como
o artista brasileiro Kiko Goifman, em trabalhos como Cronofagia
(2002).
Partindo destas referências, entre outras, surge a experimentação
Retardo n.2, desenvolvida em Macromedia Flash, composta de um
único arquivo SWF com som. Assim que o visitante entra
no site através do endereço http://www.fabiofon.com/retardo,
uma nova tela se abre: nela, surgem as palavras “one moment...”
seguidas de um indicador
de download. Conjuntamente, surge um trecho da música
“Xulunga (spirit dance)”, de Dead
Can Dance , de trinta segundos, que irá se repetir
continuamente.
Minimalista – Três
momentos de Retardo n.2, conforme seu contador de download
é preenchido. A título de curiosidade, este
heterodoxo trabalho não foi aceito em nenhum dos
eventos da área (arte digital) nos quais foi enviado
e submetido à análise, o que não minimiza
o seu valor dentro desta pesquisa artística pessoal. |
O indicador de download irá persistir por cerca de seis
minutos seguidos, onde além de “crescer” conforme
o tempo, irá também, gradualmente esvaecer. Ao fim,
indica-se o término – sem que qualquer outro conteúdo
fosse apresentado – e numa outra janela, os créditos.
Em respeito à expectativa do visitante: espera-se que
algo será transferido para o seu computador, algo de considerável
tamanho, se levado em conta o tempo de “download”
que pouco a pouco passa. Porém, o usuário poderá
refletir na sua própria espera frente à tela, no
valor dado ao seu tempo. É certo que um usuário
padrão, distante de uma postura mais insistente, não
se manterá pelo tempo “necessário” para
visualização do trabalho integralmente. Não
é uma temporalidade comum, o tempo contemporâneo,
em sintonia com a rapidez do mundo moderno que conta aqui; muito
pelo contrário.
Há uma contenda entre a monotonia e o relaxamento. A música
de Dead Can Dance possibilita a inserção de um universo
distante, num ritmo que propõe uma desaceleração
gradual. Assim como Cromos – e mesmo Casa Escura –
é um trabalho que pediria uma certa introspecção,
sem distrações ou atividades paralelas – em
contraponto a própria essência multitarefa dos sistemas
operacionais. Pensando por esse caminho, seria um trabalho para
ser visto absorto em si mesmo. Mas, certamente, essa leitura mais
cuidadosa e focalizada é pouco recorrente entre aqueles
que estão inseridos num meio pretensamente rápido
como a Internet. Ou num universo em que a velocidade – a
qualquer custo – é vista como bem-vinda, necessária
e onipresente. Assim, é possível também ver
essa situação como algo monótono, perverso
no sentido de que a passagem do tempo do próprio visitante
é sua maior dádiva. E vê-la passar, percorrendo
um percurso leva a uma aparente insipidez. O tempo em vão.
Mas é esse caráter esquizóide que intimamente
me interessa. Um elemento estranho no fluxo desmedido das informações
que nos perpassam.
A produção em web arte necessita de posturas que
procurem questionar a tecnologia na qual está inserida
e a relação desta com o humano enquanto novas possibilidades
perceptivas e sociais. Pede-se uma postura crítica –
nem deslumbrada, nem perdida no fetiche tecnológico –
que procure por anseios do sensível frente à nossa
percepção intimamente tecnologizada. Máquinas
não fazem arte. Idéias fazem-na.
Parte integrante da dissertação
de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas
no universo da rede Internet", realizada sob a orientação
do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato.
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