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2003

FÁBIO OLIVEIRA NUNES







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Como definir a web arte?

CONTINUAÇÃO


Já em Mediamorphose , do artista germano-brasileiro Roberto Cabot, no interior de uma instalação transmídia na 25ª Bienal de São Paulo, uma câmera de vigilância captura imagens dos visitantes do espaço expositivo – tendo ao fundo uma pintura em anamorfose – e simultaneamente as projeta em um outro ambiente, mostrando ao fundo, o que antes não era inteligível: um batalhão de soldados em torno do visitante. As imagens capturadas são também disponibilizadas imediatamente em um site, possibilitando o acesso à imagem de todos os visitantes do espaço, organizados por dia e hora de inclusão no banco de dados.

Há também trabalhos que utilizam o tempo real para a participação direta em espaços físicos distantes, quando através da rede Internet é possível modificar ou acionar algum mecanismo ou objeto fisicamente presente. Neste contexto, temos a pesquisa artística de Eduardo Kac, que estabeleceu a “telepresence art”, utilizando câmeras e outros dispositivos em trabalhos como Ornitorrinco in Eden (1994), onde em diversos pontos distantes, era possível estabelecer uma colaboração compartilhada de controle de um robô pelos participantes anônimos e, mais recentemente, Gênesis (2000), onde mutações cromáticas em bactérias eram realizadas por meio de radiação ultravioleta a cada visita real ou virtual à web instalação.

O tempo real, simultâneo, viabiliza a existência de espaços colaborativos de participação mútua e conjunta entre os visitantes, seja através de dispositivos em espaços fisicamente distantes, como também em espaços virtuais como o site de web arte Open Studio, onde o artista dá ao visitante, diversas ferramentas de “pintura” e uma tela comum a todos os visitantes simultâneos do espaço.

1.2.5 Participação

A interação entre espectador e objeto de arte sempre foi muito mais interpretativa do que comportamental. Abrindo as devidas exceções para os artistas que adentram o campo sensorial do espectador e convidam à participação – como Lygia Clark e Hélio Oiticica, no Brasil – a relação passiva e contemplativa diante da imagem sempre foi algo comum para o interpretante. Porém, com o advento meio computacional – e suas utilizações artísticas – a participação é fundamental para consolidar uma relação mais intrínseca com um espectador que se torna participante ativo da situação. O participante estabelece seus caminhos de leitura, preenche canais de contato estabelecidos pelos artistas e, ainda, promove comportamentos em sistemas inteligentes, em uma relação direta com dispositivos, bancos de dados e agentes computacionais autônomos, sendo que estes, por sua vez, geram respostas cada vez mais pontuais – diferenciando comportamentos, freqüências e/ou estabelecendo modelos estatísticos – em relação à interferência participativa do indivíduo humano:

Os ambientes com tecnologias computadorizadas permitem a interação em tempo real com imagens, textos e os sons, jogando o velho espectador dentro da obra. As instalações sempre foram ambientes participativos onde o espectador se desloca e remonta na mente as várias relações espaço temporais vividas com o corpo inteiro, numa relação da arquitetura com a mente. Mas com tecnologias digitais estes ambientes podem ser manipulados ampliando as relações vividas pelos deslocamentos para ações que são captadas por dispositivos que conectam suas ordens a bancos de dados e provocam alterações nos ambientes. Mouses, teclados, pedais de bicicleta, lugares para assoprar, luvas, capacetes, captores sonoros, sensores infravermelhos que captam o calor, abrem os espaços para uma efetiva participação; o ‘trompe l’oeil’ do olhar pela janela é trocado pelo ‘trompe le sens’.” (DOMINGUES, s/d 2)

A web arte acontece no interior de um meio participativo por essência: afinal, o hipertexto necessariamente pede a ação do usuário. Porém, existem grandes diferenças em torno das possíveis utilizações desta propriedade. Um exemplo que merece atenção diz respeito ao CD-ROM “Alegorias Brasileiras” (1998) do artista Luiz Monforte. Embora o CD-ROM possua a intenção de ser referencial – ao propor um percurso através das imagens fotográficas do artista – nos chama a atenção, a sua estrutura de navegação. Sendo totalmente linear, não disponibiliza qualquer link ou caminho alternativo, não possibilita retroceder ou avançar, nem sequer pode-se pausar – a única ação possível é fechar a apresentação por caminhos do sistema e não do CD-ROM. Ao ser menos interativo do que até mesmo meios tradicionalmente mais passivos como o vídeo, o artista possui uma postura inversa: a recusa da participação num meio que é intrinsecamente interativo. Por outro lado, essa atitude acaba trazendo elementos mais distantes da hipertextualidade, como a contemplação.

Um outro trabalho que também questiona a participação – porém com fortes nuances de metalinguagem – é o site de web arte Unendlich, fast... que se constitui em uma única página de fundo azul, com barras de rolagem tanto verticalmente quanto horizontalmente com somente alguns tracejos, em um ponto distante da parte inicialmente visível, que não estão associados a nenhum link ou ação. O visitante se depara com um imenso azul, uma página web sem qualquer tipo de informação textual ou link, em que a única ação é tentar procurar através das barras de rolagem, a existência de algum elemento de significação.

1.2.6 Linguagem como mensagem

Muitos dos trabalhos de web arte tratam da auto-referência à linguagem do meio Internet como base da construção de sua poética. A metalinguagem se torna presente na estetização de elementos e situações típicas do ambiente computacional; bem como no questionamento da relação do visitante com a Internet – suscitando o medo constante de vírus, os contatos virtuais, a imensidão da web, o fluxo informacional etc. . Um dos maiores exemplos desta propriedade é o site Jodi (http://www.jodi.org) , de artistas holandeses, de postura extremamente radical onde o visitante perde-se em meio ao caos de ícones, janelas que saltam, mensagens de erro e outras situações-limite do usuário da rede. Sobre o site, DONATI (1997:110) escreve:

Na relação homem-máquina, existe a necessidade de interfaces para que se estabeleça a comunicação, para que uma informação reconhecida pela máquina torne-se legível ao homem e transmita assim um significado. Este ir e vir de códigos, como traduções sucessivas que se sobrepõem em níveis, trabalhados pelo repertório do interpretante, é representado neste site por imagens de texto que se transformam em códigos de barra, enquanto o código de cores da linguagem HTML traduz a cor vermelha para um número binário. Este site apresenta esta intertextualidade entre códigos, mas vem reverter esta situação, na medida em que produz ruídos, “chuviscos”, interferências e não efetiva a comunicação, por não alcançar o sentido esperado.

Os ruídos de comunicação não são a única forma de abordagem da metalinguagem em web arte. O site Willkommen bei Antworten , proporciona um questionamento do visitante diante da espera em frente à tela de seu computador e suas expectativas. É constituído de uma interface que se assemelha a um visor eletrônico de lanchonetes, que indica o número atual e mais abaixo, o seu número. O artista, em alemão, pede: “por favor, espere!”.

Embora já legitimada como arte através da participação em eventos reconhecidos como a Documenta de Kassel e a Bienal de São Paulo, a web arte ainda é uma linguagem em transformação, com paradigmas ainda em definição, oscilando entre conceitos e tecnologias, entre conquistas e potencialidades e participando de um processo que muitos teóricos chamam de “virada cibernética”, onde economia, política e cultura tornam-se elementos presentes e ativos no ciberespaço. Diante destas considerações, GARCIA (2001) analisa:

"No campo específico daqueles que entram na onda da virada cibernética, no horizonte começa a ciberarte ou cyberarte. Identificam-se duas tendências dentro dessa chamada arte cibernética. Uma que explora as possibilidades das tecnologias da imagem e que vai começar a considerar, justamente, dentro do campo da cibernética como é que é possível trabalhar, fazer a criação explorando essas possibilidades das tecnologias. A outra tendência, mais profunda, seria uma tendência de considerar que essa virada é tão forte que, na verdade, tudo o que foi arte antes, de certa maneira, é passível de tradução, retradução ou recombinação, partindo desse paradigma. Nesse caso, o entendimento da arte anterior é relido por essa nova maneira de conceber o mundo com a natureza e a cultura como informação".

É a partir destes princípios que a web arte começa a se definir, ora seguindo possibilidades proporcionadas pelos avanços da tecno-ciência, ora buscando as recombinações e releituras de subjetividades que começam a ser abarcadas pelo ciberespaço.

Parte integrante da dissertação de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas no universo da rede Internet", realizada sob a orientação do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre em contato.

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