CONTINUAÇÃO
Já em Mediamorphose
, do artista germano-brasileiro Roberto Cabot, no interior de
uma instalação transmídia na 25ª Bienal
de São Paulo, uma câmera de vigilância captura
imagens dos visitantes do espaço expositivo – tendo
ao fundo uma pintura em anamorfose – e simultaneamente
as projeta em um outro ambiente, mostrando ao fundo, o que antes
não era inteligível: um batalhão de soldados
em torno do visitante. As imagens capturadas são também
disponibilizadas imediatamente em um site, possibilitando o
acesso à imagem de todos os visitantes do espaço,
organizados por dia e hora de inclusão no banco de dados.
Há também trabalhos que utilizam o tempo real
para a participação direta em espaços físicos
distantes, quando através da rede Internet é possível
modificar ou acionar algum mecanismo ou objeto fisicamente presente.
Neste contexto, temos a pesquisa artística de
Eduardo Kac, que estabeleceu a “telepresence art”,
utilizando câmeras e outros dispositivos em trabalhos
como Ornitorrinco in Eden (1994), onde em diversos pontos distantes,
era possível estabelecer uma colaboração
compartilhada de controle de um robô pelos participantes
anônimos e, mais recentemente, Gênesis (2000), onde
mutações cromáticas em bactérias
eram realizadas por meio de radiação ultravioleta
a cada visita real ou virtual à web instalação.
O tempo real, simultâneo, viabiliza a existência
de espaços colaborativos de participação
mútua e conjunta entre os visitantes, seja através
de dispositivos em espaços fisicamente distantes, como
também em espaços virtuais como o site de web
arte Open
Studio, onde o artista dá ao visitante, diversas
ferramentas de “pintura” e uma tela comum a todos
os visitantes simultâneos do espaço.
1.2.5 Participação
A interação entre espectador e objeto de arte
sempre foi muito mais interpretativa do que comportamental.
Abrindo as devidas exceções para os artistas que
adentram o campo sensorial do espectador e convidam à
participação – como Lygia Clark e Hélio
Oiticica, no Brasil – a relação passiva
e contemplativa diante da imagem sempre foi algo comum para
o interpretante. Porém, com o advento meio computacional
– e suas utilizações artísticas –
a participação é fundamental para consolidar
uma relação mais intrínseca com um espectador
que se torna participante ativo da situação. O
participante estabelece seus caminhos de leitura, preenche canais
de contato estabelecidos pelos artistas e, ainda, promove comportamentos
em sistemas inteligentes, em uma relação direta
com dispositivos, bancos de dados e agentes computacionais autônomos,
sendo que estes, por sua vez, geram respostas cada vez mais
pontuais – diferenciando comportamentos, freqüências
e/ou estabelecendo modelos estatísticos – em relação
à interferência participativa do indivíduo
humano:
“Os ambientes com tecnologias computadorizadas permitem
a interação em tempo real com imagens, textos
e os sons, jogando o velho espectador dentro da obra. As instalações
sempre foram ambientes participativos onde o espectador se desloca
e remonta na mente as várias relações espaço
temporais vividas com o corpo inteiro, numa relação
da arquitetura com a mente. Mas com tecnologias digitais estes
ambientes podem ser manipulados ampliando as relações
vividas pelos deslocamentos para ações que são
captadas por dispositivos que conectam suas ordens a bancos
de dados e provocam alterações nos ambientes.
Mouses, teclados, pedais de bicicleta, lugares para assoprar,
luvas, capacetes, captores sonoros, sensores infravermelhos
que captam o calor, abrem os espaços para uma efetiva
participação; o ‘trompe l’oeil’
do olhar pela janela é trocado pelo ‘trompe le
sens’.” (DOMINGUES, s/d 2)
A web arte acontece no interior de um meio participativo por
essência: afinal, o hipertexto necessariamente pede a
ação do usuário. Porém, existem
grandes diferenças em torno das possíveis utilizações
desta propriedade. Um exemplo que merece atenção
diz respeito ao CD-ROM
“Alegorias Brasileiras” (1998) do artista Luiz
Monforte. Embora o CD-ROM possua a intenção de
ser referencial – ao propor um percurso através
das imagens fotográficas do artista – nos chama
a atenção, a sua estrutura de navegação.
Sendo totalmente linear, não disponibiliza qualquer link
ou caminho alternativo, não possibilita retroceder ou
avançar, nem sequer pode-se pausar – a única
ação possível é fechar a apresentação
por caminhos do sistema e não do CD-ROM. Ao ser menos
interativo do que até mesmo meios tradicionalmente mais
passivos como o vídeo, o artista possui uma postura inversa:
a recusa da participação num meio que é
intrinsecamente interativo. Por outro lado, essa atitude acaba
trazendo elementos mais distantes da hipertextualidade, como
a contemplação.
Um outro trabalho que também questiona a participação
– porém com fortes nuances de metalinguagem –
é o site de web arte Unendlich,
fast... que se constitui em uma única página
de fundo azul, com barras de rolagem tanto verticalmente quanto
horizontalmente com somente alguns tracejos, em um ponto distante
da parte inicialmente visível, que não estão
associados a nenhum link ou ação. O visitante
se depara com um imenso azul, uma página web sem qualquer
tipo de informação textual ou link, em que a única
ação é tentar procurar através das
barras de rolagem, a existência de algum elemento de significação.
1.2.6 Linguagem como mensagem
Muitos dos trabalhos de web arte tratam da auto-referência
à linguagem do meio Internet como base da construção
de sua poética. A metalinguagem se torna presente na
estetização de elementos e situações
típicas do ambiente computacional; bem como no questionamento
da relação do visitante com a Internet –
suscitando o medo constante de vírus, os contatos virtuais,
a imensidão da web, o fluxo informacional etc. . Um dos
maiores exemplos desta propriedade é o site Jodi (http://www.jodi.org)
, de artistas holandeses, de postura extremamente radical onde
o visitante perde-se em meio ao caos de ícones, janelas
que saltam, mensagens de erro e outras situações-limite
do usuário da rede. Sobre o site, DONATI (1997:110) escreve:
“Na relação homem-máquina, existe
a necessidade de interfaces para que se estabeleça a
comunicação, para que uma informação
reconhecida pela máquina torne-se legível ao homem
e transmita assim um significado. Este ir e vir de códigos,
como traduções sucessivas que se sobrepõem
em níveis, trabalhados pelo repertório do interpretante,
é representado neste site por imagens de texto que se
transformam em códigos de barra, enquanto o código
de cores da linguagem HTML traduz a cor vermelha para um número
binário. Este site apresenta esta intertextualidade entre
códigos, mas vem reverter esta situação,
na medida em que produz ruídos, “chuviscos”,
interferências e não efetiva a comunicação,
por não alcançar o sentido esperado.”
Os ruídos de comunicação não são
a única forma de abordagem da metalinguagem em web arte.
O site Willkommen
bei Antworten , proporciona um questionamento do visitante
diante da espera em frente à tela de seu computador e
suas expectativas. É constituído de uma interface
que se assemelha a um visor eletrônico de lanchonetes,
que indica o número atual e mais abaixo, o seu número.
O artista, em alemão, pede: “por favor, espere!”.
Embora já legitimada como arte através da participação
em eventos reconhecidos como a Documenta de Kassel e a Bienal
de São Paulo, a web arte ainda é uma linguagem
em transformação, com paradigmas ainda em definição,
oscilando entre conceitos e tecnologias, entre conquistas e
potencialidades e participando de um processo que muitos teóricos
chamam de “virada cibernética”, onde economia,
política e cultura tornam-se elementos presentes e ativos
no ciberespaço. Diante destas considerações,
GARCIA
(2001) analisa:
"No campo específico daqueles que entram na
onda da virada cibernética, no horizonte começa
a ciberarte ou cyberarte. Identificam-se duas tendências
dentro dessa chamada arte cibernética. Uma que explora
as possibilidades das tecnologias da imagem e que vai começar
a considerar, justamente, dentro do campo da cibernética
como é que é possível trabalhar, fazer
a criação explorando essas possibilidades das
tecnologias. A outra tendência, mais profunda, seria uma
tendência de considerar que essa virada é tão
forte que, na verdade, tudo o que foi arte antes, de certa maneira,
é passível de tradução, retradução
ou recombinação, partindo desse paradigma. Nesse
caso, o entendimento da arte anterior é relido por essa
nova maneira de conceber o mundo com a natureza e a cultura
como informação".
É a partir destes princípios que a web arte começa
a se definir, ora seguindo possibilidades proporcionadas pelos
avanços da tecno-ciência, ora buscando as recombinações
e releituras de subjetividades que começam a ser abarcadas
pelo ciberespaço.