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Arte transgênica via Internet
CONTINUAÇÃO
Certamente há outras leituras possíveis e certamente
concomitantes com esta. Uma das mais correntes entre a imprensa
que acompanhou o evento foi a idéia da vigilância,
do aparato tecnológico em busca de cada ser humano e o
chip como uma espécie de identidade eletrônica. Aliás,
neste ano, o FDA (Food and Drugs Administration), órgão
americano governamental responsável pela administração
de remédios e alimentos, autorizou o uso de tecnologia
semelhante à utilizada por Kac, para que qualquer pessoa
possa armazenar em seus chips intracorpóreos, informações
médicas, dados para casos de emergência e possa ainda,
ser localizada via tecnologia por satélite, uma localização
rápida em casos de seqüestro ou catástrofe.
Time Capsule suscita a justaposição dos paradigmas
digital e biológico numa relação de memória
como informação. Não tão centrado
nas codificações como Gênesis, que veremos
mais adiante, demonstra a memória genética e a memória
binária coabitando o mesmo ser.
A troca – Um pouco
antes de Time Capsule, acontecida em São Paulo na
Casa das Rosas, outra performance na simbiose biológico-digital
foi realizada: A-positive. Aqui, Kac doava seu sangue (na
verdade, o oxigênio presente) a um robô que,
por sua vez, oferecia açúcares para a corrente
sanguínea. |
A relação entre o digital e o biológico
será evidenciada também em outros trabalhos de Kac
como A-positive, realizada alguns meses antes da Time Capsule,
onde existe uma relação simbiótica entre
um robô – chamado por Kac como Biobot – e o
ser humano. Neste trabalho, o artista (ou qualquer outra pessoa)
doava sangue ao robô e este por sua vez, extraía
oxigênio que acendia uma nanochama em seu mecanismo. Em
troca, o robô doava dextrose ao corpo humano. Outro trabalho
igualmente importante dentro deste percurso é Teleporting
An Unknown State, de 1996, onde o artista coloca uma semente num
espaço expositivo que semina e cresce somente com uma luz
“teletransportada” pela rede Internet. Num espaço
escuro, a semente recebe luz através de um projetor de
vídeo que transmite imagens de céus, enviadas em
tempo real, por internautas anônimos que apontam suas webcams
para a luz do sol. Além da participação colaborativa
e coletiva dos participantes e da subversão ao uso tradicional
dos recursos de vídeo conferência, trata-se verdadeiramente
de um teletransporte de partículas luminosas: fótons
que nutrem a vida da planta.
4. 2 Arte transgênica
Destes trabalhos para o início da arte transgênica
foi um curto período de tempo. Em 1998, surge o projeto
GFP-K9, onde GFP é a abreviatura de Green Fluorescent Protein
e K-9 é referencial ao adjetivo inglês canino (canine).
Trata-se da inclusão num DNA de um embrião canino,
uma proteína de medusa (Aequorea Victoria) que tornaria
o cão fluorescente – emanando luz verde – ao
contato com certas condições do ambiente. Para justificar
sua criação, o artista estabelece o cão transgênico
como uma próxima etapa na intervenção humana
na existência canina: desde 15.000 anos atrás, o
homem vem selecionando lobos portadores de características
imaturas (processo evolutivo conhecido como neotenia) e mais modernamente
através do controle de acasalamentos (MACHADO, 2001) para
criar um “ideário canino”.
Luz da discórdia
– Depois de Time Capsule, outra polêmica foi
instaurada quando surgiu Alba, a coelhinha transgênica
fluorescente. Após seu nascimento, Kac não
conseguiu tê-la em seu convívio familiar conforme
tinha inicialmente imaginado já que o laboratório
de engenharia genética não liberou a saída
da coelha, sob a alegação de que eles eram
os responsáveis e “autores” deste ser
vivo singular e ainda, que o artista não teria condições
de cuidar do animal. Daí, Kac passa a fazer uma campanha
para a “Alba livre”, que origina alguns trabalhos. |
Mais tarde, Kac consegue realizar um trabalho equivalente ao GFP-K9:
o GFP Bunny. Seguindo os mesmos procedimentos do projeto anterior,
uma coelhinha albina torna-se fluorescente ao encontrar-se em
um ambiente com uma determinada iluminação (precisa-se
de um tipo de luz azul). Depois de nascida, o próximo passo
seria a socialização da coelhinha: Kac pretendia
levá-la para morar com sua família. Mas o laboratório
francês, que o auxiliou na execução do projeto,
simplesmente impediu sua retirada, alegando que o artista não
teria condições de cuidar do animal transgênico.
O artista por sua vez, vem desenvolvendo várias manifestações
em prol da “Alba livre”, como forma de mobilizar a
opinião pública. No seu
site, inclusive, é possível enviar e acompanhar
inúmeras mensagens em prol da libertação
de Alba. De qualquer forma, uma considerável discussão
– envolvendo não só a sociedade científica
– foi formada diante desse fato.
Algumas considerações de Kac sobre a arte transgênica:
"Eu proponho o uso da engenharia genética para
transferir genes sintéticos para microorganismos ou material
genético de uma espécie para a outra com o objetivo
de criar organismos vivos únicos e originais. A engenharia
genética permite ao artista criar novas formas de vida
animal e vegetal. A natureza deste tipo de arte se define não
apenas pelo nascimento de uma nova planta ou animal, mas pela
qualidade da relação que se estabelece entre o artista,
o público e o organismo transgênico. Trabalhos de
arte transgênica serão levados pelo público
para casa para serem plantados no jardim ou criados como animais
domésticos. Não pode existir arte transgênica
sem um firme compromisso e responsabilidade com a nova forma de
vida criada".(nota)
Na intenção de uma “arte viva”, a poética
de Kac encontra-se próxima de artistas como George Gessert,
um dos pioneiros na arte genética, que manipula geneticamente
espécies de flores, dando origem a novas espécies
oriundas de motivações estéticas. Mas, Gessert
não possui o mesmo ímpeto tecnológico de
Kac e trabalha apenas no nível biológico.
4.3 Gênesis
Uma segunda incursão do artista pela arte transgênica
se deu em Gênesis, apresentado inicialmente em 1999, na
Áustria, no evento Ars Eletronica e depois no ano 2000,
no Itaú Cultural, em São Paulo.
O trabalho constitui-se em uma instalação que utiliza
a rede como canal para interferências. A instalação
Gênesis constitui-se em uma sala de paredes escuras com
uma projeção de vídeo. Na primeira parede,
uma transcrição de um pequeno trecho do antigo testamento
onde é possível entender uma possível “autorização”
divina para as intervenções da atual engenharia
genética: “Deixe que o homem domine sobre os peixes
do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os seres vivos
que se movem na terra” (Gênesis 1, 28). Em outra parede,
a transcrição do texto em inglês para o código
Morse e em uma terceira, a tradução do código
Morse para o código genético DNA. Cria-se aqui um
gene sintético, advindo do texto bíblico. O crítico
de arte Arlindo Machado, um dos curadores da exposição,
descreve o funcionamento desta instalação:
"O gene sintético contendo o texto bíblico
é, em seguida, transformado em plasmídeo (anel de
DNA extracromossômico capaz de auto-replicação)
e então introjetado numa bactéria E. coli, que o
reproduzirá às próximas gerações.
As bactérias contendo o gene Genesis apresentam a propriedade
de fluorescência ciã (azul esverdeado) quando expostas
à radiação ultravioleta e coabitam uma placa
de Petri com outra colônia de bactérias, não
transformadas pelo gene Genesis e dotadas da propriedade de fluorescência
amarela quando submetidas à mesma radiação
ultravioleta. À medida que as bactérias vão
entrando em contato umas com as outras, um processo de transferência
conjugal de plasmídeos pode acontecer, produzindo as seguintes
alterações cromáticas: 1) se as bactérias
ciãs doarem seu plasmídeo às amarelas (ou
vice-versa), teremos o surgimento de bactérias verdes;
2) se nenhuma doação acontecer, as cores individuais
serão preservadas; 3) se as bactérias perderem seus
respectivos plasmídeos, elas se tornam ocres.
O processo de mutação cromática das
bactérias pode se dar naturalmente ou pode ser também
ativado por decisão humana, por meio da radiação
ultravioleta, que acelera a taxa de mutação. No
espaço da galeria onde ocorre a experiência, tanto
os visitantes locais como os visitantes remotos (que participam
do evento pela Web) podem ativar ou desativar a radiação
ultravioleta interferindo, portanto, no processo de mutação
e ao mesmo tempo possibilitando visualizar o estágio atual
das combinações de ciã, amarelo, verde e
ocre". (nota)
Parte integrante da dissertação
de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas
no universo da rede Internet", realizada sob a orientação
do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato.
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