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2003

FÁBIO OLIVEIRA NUNES







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Arte transgênica via Internet

CONTINUAÇÃO

O ato mais simples da atual interface computacional (o clique), é o que diretamente altera as propriedades vitais das bactérias expostas a radiação ultravioleta. E sua simplicidade destoa de toda a idéia de complexidade que temos quando pensamos numa intervenção genética. É um ato simples, assim como um sopro.

GATTACA – Acima, o esquema que demonstra as “traduções” realizadas pelo artista até chegar nos elementos do DNA – Guanina, Adenina, Timina e Citosina, normalmente representados por suas iniciais – presentes no código genético das bactérias e as possíveis alterações após a radiação ultravioleta. Abaixo, a visão do espaço expositivo, sendo que em primeiro plano temos a tela do computador, que conectado a Internet, possibilita acionar a radiação. Ao fundo, a imagem da projeção que ampliava a visualização das bactérias também presentes.

Na Internet, isoladamente a dimensão do trabalho tornava-se outra. Ainda que houvesse um substrato textual eficiente – como aconteceu no caso do Itaú Cultural – a assimilação do trabalho dava-se muito mais numa tríade homem-máquina-bactérias. Ao adentrar o espaço virtual do trabalho, o visitante tinha diante de si, uma pequena tela com vídeo em streamming, com imagens em tempo real, mostrando um círculo redondo com pequenos pontos verdes, cianos e ocres. A ação do visitante era pontual no que diz respeito a ele também ser um ativo modificador de matéria viva. O ato de manipulação genética – antes privilégio de poucos – passa a ser intuitivo, sucinto, simples.

No ato de simplicidade do clique, surge-me a idéia de que a acessibilidade a essa nova dimensão da informação – a genética – pode estar cada vez mais perto da pessoa comum. Assim como ocorreu com o digital, teremos em breve, ferramentas que facilitem o acesso a todos o domínio dessa nova forma de informação?

No domínio das codificações, Gênesis constitui-se em um grande exercício de tradução, didático para visualizar e relacionar as fragmentações mais comuns na cultura ocidental. Inicia-se na palavra, dotada de significado, que é fragmentada em letras para em seguida, ser traduzida para o código Morse – um antigo antecessor dos atuais meios de comunicação à distância, uma das origens da tecnologia de comunicação moderna. Depois, o artista lança mão de uma inteligente licença poética: estabelece uma chave léxica simples para traduzir do código Morse para o código genético e assim estabelecer um caminho que independe da significação: parte dos fragmentos, das letras e não do texto em si, enquanto significação para estabelecer o DNA dos plasmídeos. A atenção de todas as etapas é mantida no fragmento, e conseqüentemente na possibilidade de recombinação desses fragmentos. Sobre esse ponto, as afirmações de GARCIA (2001) são interessantes para estabelecermos uma possível leitura do trabalho sobre esse aspecto:

"Não há mais, praticamente, trabalho que não seja afetado, ou cuja maneira de ocorrer não tenha sido profundamente alterada pela cibernetização, pela informação digital. No campo do conhecimento também há uma maneira nova de se pensar, de produzir conhecimentos, que é através do que algumas pessoas chamam de reprogramação, reordenação, reprocessamento, recombinação. Cada vez mais a própria cultura é concebida como recombinação. Esse substrato comum, essa informação, que faz parte do ser vivo, do ser inanimado e também do objeto técnico, é caracterizada por aquilo que um filósofo francês chamou de uma maneira muito interessante de finito ilimitado. Ele entende por finito ilimitado um pequeno número de elementos ou de componentes que permitem uma combinação e uma recombinação ilimitada. Por exemplo, na questão digital você tem zero e um. Mas, com zero e um, você consegue justamente fazer, através de combinações e recombinações, através da digitalização, mudanças na maneira como se operam as coisas. Por outro lado, na informação genética você tem quatro elementos, que são as quatro letras a partir das quais se constitui, o código genético".

A recombinação da informação – colocando num mesmo substrato texto, código Morse e DNA – torna-se evidente numa das partes mais surpreendentes do trabalho: a inversão do processo, onde o artista, através do DNA das bactérias já modificado, passa o código genético para Morse e em seguida para texto novamente. O resultado é um texto corrompido, mas com capacidades de estabelecer sentido:

Let aan have dominion over the fish of the sea and over the fowl of the air and over every living thing that ioves ua eon the earth.

Diante do substrato comum da informação, Gênesis e outros trabalhos de arte transgênica, demonstram que a arte pode caminhar no sentido de questionar/refletir uma nova condição biológica que há muito tempo já não é um domínio exclusivo da ficção. Ao tornar-se tão manipulável quando os caracteres binários, a informação genética tende a cada vez mais ser uma nova linguagem de expressão, de agregação de sentidos, de sensibilidade. Mas se há uma espera no sentido de algum tipo de postura crítica, denotando caminhos alternativos para essa inevitável textualização da vida será que devemos realmente assumir as práticas em ascensão, as mesmas práticas passíveis de crítica? É um paradoxo: a arte transgênica incomoda e, ao mesmo tempo, impressiona.

Parte integrante da dissertação de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas no universo da rede Internet", realizada sob a orientação do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre em contato.

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