|
Arte transgênica via Internet
CONTINUAÇÃO
O ato mais simples da atual interface computacional (o clique),
é o que diretamente altera as propriedades vitais das bactérias
expostas a radiação ultravioleta. E sua simplicidade
destoa de toda a idéia de complexidade que temos quando
pensamos numa intervenção genética. É
um ato simples, assim como um sopro.
GATTACA – Acima,
o esquema que demonstra as “traduções”
realizadas pelo artista até chegar nos elementos
do DNA – Guanina, Adenina, Timina e Citosina, normalmente
representados por suas iniciais – presentes no código
genético das bactérias e as possíveis
alterações após a radiação
ultravioleta. Abaixo, a visão do espaço expositivo,
sendo que em primeiro plano temos a tela do computador,
que conectado a Internet, possibilita acionar a radiação.
Ao fundo, a imagem da projeção que ampliava
a visualização das bactérias também
presentes. |
Na Internet, isoladamente a dimensão do trabalho tornava-se
outra. Ainda que houvesse um substrato textual eficiente –
como aconteceu no caso do Itaú Cultural – a assimilação
do trabalho dava-se muito mais numa tríade homem-máquina-bactérias.
Ao adentrar o espaço virtual do trabalho, o visitante tinha
diante de si, uma pequena tela com vídeo
em streamming, com imagens em tempo real, mostrando um círculo
redondo com pequenos pontos verdes, cianos e ocres. A ação
do visitante era pontual no que diz respeito a ele também
ser um ativo modificador de matéria viva. O ato de manipulação
genética – antes privilégio de poucos –
passa a ser intuitivo, sucinto, simples.
No ato de simplicidade do clique, surge-me a idéia de
que a acessibilidade a essa nova dimensão da informação
– a genética – pode estar cada vez mais perto
da pessoa comum. Assim como ocorreu com o digital, teremos em
breve, ferramentas que facilitem o acesso a todos o domínio
dessa nova forma de informação?
No domínio das codificações, Gênesis
constitui-se em um grande exercício de tradução,
didático para visualizar e relacionar as fragmentações
mais comuns na cultura ocidental. Inicia-se na palavra, dotada
de significado, que é fragmentada em letras para em seguida,
ser traduzida para o código Morse – um antigo antecessor
dos atuais meios de comunicação à distância,
uma das origens da tecnologia de comunicação moderna.
Depois, o artista lança mão de uma inteligente licença
poética: estabelece uma chave léxica simples para
traduzir do código Morse para o código genético
e assim estabelecer um caminho que independe da significação:
parte dos fragmentos, das letras e não do texto em si,
enquanto significação para estabelecer o DNA dos
plasmídeos. A atenção de todas as etapas
é mantida no fragmento, e conseqüentemente na possibilidade
de recombinação desses fragmentos. Sobre esse ponto,
as afirmações de GARCIA (2001) são interessantes
para estabelecermos uma possível leitura do trabalho sobre
esse aspecto:
"Não há mais, praticamente, trabalho que
não seja afetado, ou cuja maneira de ocorrer não
tenha sido profundamente alterada pela cibernetização,
pela informação digital. No campo do conhecimento
também há uma maneira nova de se pensar, de produzir
conhecimentos, que é através do que algumas pessoas
chamam de reprogramação, reordenação,
reprocessamento, recombinação. Cada vez mais a própria
cultura é concebida como recombinação. Esse
substrato comum, essa informação, que faz parte
do ser vivo, do ser inanimado e também do objeto técnico,
é caracterizada por aquilo que um filósofo francês
chamou de uma maneira muito interessante de finito ilimitado.
Ele entende por finito ilimitado um pequeno número de elementos
ou de componentes que permitem uma combinação e
uma recombinação ilimitada. Por exemplo, na questão
digital você tem zero e um. Mas, com zero e um, você
consegue justamente fazer, através de combinações
e recombinações, através da digitalização,
mudanças na maneira como se operam as coisas. Por outro
lado, na informação genética você tem
quatro elementos, que são as quatro letras a partir das
quais se constitui, o código genético".
A recombinação da informação –
colocando num mesmo substrato texto, código Morse e DNA
– torna-se evidente numa das partes mais surpreendentes
do trabalho: a inversão do processo, onde o artista, através
do DNA das bactérias já modificado, passa o código
genético para Morse e em seguida para texto novamente.
O resultado é um texto corrompido, mas com capacidades
de estabelecer sentido:
Let aan have dominion over the fish of the sea and over the
fowl of the air and over every living thing that ioves ua eon
the earth.
Diante do substrato comum da informação, Gênesis
e outros trabalhos de arte transgênica, demonstram que a
arte pode caminhar no sentido de questionar/refletir uma nova
condição biológica que há muito tempo
já não é um domínio exclusivo da ficção.
Ao tornar-se tão manipulável quando os caracteres
binários, a informação genética tende
a cada vez mais ser uma nova linguagem de expressão, de
agregação de sentidos, de sensibilidade. Mas se
há uma espera no sentido de algum tipo de postura crítica,
denotando caminhos alternativos para essa inevitável textualização
da vida será que devemos realmente assumir as práticas
em ascensão, as mesmas práticas passíveis
de crítica? É um paradoxo: a arte transgênica
incomoda e, ao mesmo tempo, impressiona.
Parte integrante da dissertação
de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas
no universo da rede Internet", realizada sob a orientação
do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato.
|