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Partilha e simulação
CONTINUAÇÃO
Em ambos os casos, temos uma coletividade que se resolve no campo
do virtual, que se encontra, interage e desfaz-se num espaço
comum inserido na ordem das possibilidades oferecidas em cada
um dos canais. Assim como nos conhecidos chats da rede Internet,
nos quais se pode estabelecer contato por meio de texto e como
em softwares de comunidades virtuais como o Active
Worlds, onde além do contato textual há também
a projeção do indivíduo em terceira dimensão
sob a forma de um avatar – termo advindo do hindu, que significa
a encarnação de Deus – que se locomove, aproxima
e distancia de seus semelhantes simultaneamente conectados.
Aliás, mundos como Active Worlds, nos interessam também
pela junção da comunicação simultânea
entre os usuários – ambiente multiusuário
– e tridimensionalidade espacial. Um espaço de realidade
virtual compartilhado. Através do programa pode se ter
acesso a centenas de mundos virtuais que são construídos
pelos próprios associados, a maioria deles, com temas diversos,
como cenários cinematográficos, referenciais a períodos
da história da arte ou a cidades fisicamente existentes.
A idéia de tradução literal da cidade real,
com suas ruas, prédios, trânsito e transeuntes é
muito recorrente nos espaços disponibilizados. Reverencia-se
o conhecido, para adentrar o desconhecido.
5.2 Realidade Virtual
A Realidade Virtual (RV) surge num cenário militar: suas
primeiras utilizações estão relacionadas
aos simuladores de vôo que ensinam aos pilotos como voar
em determinadas situações. Pesquisas desenvolvidas
pelo exército americano, durante a 2ª guerra mundial,
indicavam que quase a totalidade de acidentes concentrava-se em
pilotos com cinco ou menos missões de combate, daí
a necessidade de um sistema que, em terra, simulasse situações
reais.
Os primeiros simuladores computacionais de vôo utilizavam-se
de um vídeo-capacete onde era possível obter uma
visão estereoscópica e pela utilização
de sensores de posição devidamente espalhados pelo
corpo, pode-se dar uma sensação de correlação
muscular. Em 1989, o Departamento de Defesa Norte-Americano (DoD)
lança Simnet (Simulator Network), uma rede experimental
baseada em microcomputadores que permitiu ao pessoal militar praticar
operações de combate em sistemas de treinamento
interativo de tempo real. O Simnet foi utilizado pelos soldados
americanos para a Guerra do Golfo, em 1991.
Dispositivos – à
esquerda, o Sensorama (1962) de Morton Heilig. Visão
estereoscópica, cheiros, ventiladores de ar, som
e cadeira que “tremia”: precursor da imersão
do usuário num ambiente sintético. À
direita, dispositivos recentes de uso em sistemas de realidade
virtual imersiva: capacete e data glove. |
Ao lado das utilizações militares, artistas como
Myron Krueger estabelecem experimentações que se
aproximam da Realidade Virtual. Krueger desenvolve em 1969, uma
instalação que ele denominou como realidade artificial
chamada Videoplace na qual o visitante pode interagir com elementos
sintéticos sobre uma tela. A imagem da pessoa é
projetada e é possível interferir em formas e objetos
em movimento. No fim dos anos 80, surgem os primeiros kits de
realidade virtual em 3D que permitem uma completa imersão
nos espaços sintéticos. Tom Zimmerman, procurando
criar um dispositivo de simulação de instrumento
musical, desenvolve uma data
glove que possibilita manipular, tomar e até construir
objetos virtuais no uso conjunto de um capacete especial desenvolvido
por Jason
Lanier . Assim, alguns especialistas preferem definir duas
modalidades de RV: a realidade virtual não-imersiva, acessível
através de telas de computadores e a realidade virtual
imersiva, acessível através de dispositivos especiais
como capacetes e CAVEs
.
É certo que a presença de Realidade Virtual a qual
estamos mais acostumados no nosso dia - à - dia é
através dos games – não exatamente jogando,
mas se torna cada vez mais difícil não notá-los
– que perduram por gerações, desde o advento
do Atari
. Porém, as utilizações da RV se expandem
para outros campos do conhecimento como a medicina, as ciências
exatas, como a astronomia e a física e na educação.
Muitos avanços em Realidade Virtual têm sido alcançados
pela Agência Espacial Americana – a NASA. Com a popularização
das redes
telemáticas, passa a ser possível não
só imergir isoladamente como também interagir em
tempo real com outros indivíduos ao mesmo tempo, num mesmo
espaço. Para tanto, a WWW
– a interface gráfica da rede – teve um papel
fundamental.
5.2.1 Realidade Virtual via Internet
Através da acessibilidade da WWW e das facilidades da
linguagem HTML , a rede Internet no fim dos anos 90 caminha
para a sua ascensão: a onipresença em torno do globo,
ramificada, autônoma, descentralizada, um rizoma
pulsante povoado por milhões de indivíduos e seus
web sites. Mas os conteúdos da rede ainda são majoritariamente
bidimensionais: muitas páginas ainda permanecem no paradigma
impresso (ou no máximo, aventurando-se em algum conteúdo
multimídia) embora já existam diversas ferramentas
de criação de espaços navegáveis e
exploratórios em terceira dimensão, acessíveis
ao usuário leigo diante de especificidades técnicas.
Na Internet, a apresentação de conteúdos
tridimensionais se dá basicamente através da VRML
– o equivalente da HTML para ambientes em terceira dimensão,
já que também se resume basicamente em um documento
de texto – que surge em 1995, com o surgimento da versão
1.0. Esta versão permitia o desenvolvimento de cenas estáticas,
sem animação. No ano seguinte, surge uma versão
sucessora: 2.0 que, por sua vez, teve sua sintaxe redefinida e
passou a aceitar animações, imagens de background,
efeitos de névoa e outras extensões. Em 1997, a
VRML obteve outras especificações e passou a ter
uma nova denominação: VRML 97. A maioria dos browsers
(navegadores) para visualização de VRML é
compatível com os dois últimos formatos.
Assim como a HTML, a VRML possibilita a sua criação
através do desvendamento de seu código fonte, com
tags (comandos) tão simples quanto sua versão bidimensional.
Porém, existem editores gráficos que possibilitam
um desenvolvimento mais intuitivo a partir da utilização
de formas básicas e linhas. Por ser um arquivo textual,
possibilita a criação de amplos espaços virtuais,
acessíveis a computadores com baixa largura de banda, via
conexão discada, devido ao reduzido tamanho do arquivo.
Ao mesmo tempo, sua navegação até requer
alguma habilidade, mas apresenta-se extremamente simples, na maioria
dos navegadores.
As utilizações artísticas em VRML estão
efetivamente presentes na produção brasileira de
web arte: além de já ter sido utilizada por artistas
como Silvia Laurentiz e Lúcia Leão, é amplamente
utilizada por Suzete Venturelli e Tânia Fraga, ambas pesquisadoras
do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB).
Na Internet, é possível encontrar diversos trabalhos
artísticos desenvolvidos em VRML: o Festival
Web3D Art , por exemplo, específico em trabalhos exploratórios
em terceira dimensão, possibilita o acesso a diversos trabalhos.
Após este brevíssimo percurso sobre a Realidade
Virtual e algumas de suas utilizações, vamos nos
voltar agora a Desertesejo.
5.3 Desertesejo
Desertesejo (Deserto + Desejo) é, segundo o seu próprio
autor “um ambiente virtual interativo multiusuário
para Web que explora poeticamente a extensão geográfica,
rupturas temporais, a solidão, a reinvenção
constante e a proliferação de pontos de encontro
e partilha” (PRADO, 2003a). Desenvolvido em tecnologia VRML
através do Programa Rumos do Itaú Cultural, São
Paulo, o projeto contou com uma equipe de especialistas em modelação
e design, que seguiam as diretrizes dadas pelo artista. Foi possível
dispor de profissionais gabaritados em conhecimentos específicos
para a execução de um objetivo comum. O resultado
de mais de um ano de trabalho foi apresentado em 2000 pelo Itaú
Cultural e mais tarde, em 2002, na 25ª Bienal de São
Paulo, Núcleo Net Arte Brasil, além de outros eventos
como o 9º Prix Möbius International des Multimédias
- Pequim, China, 2001.
O trabalho é constituído de três ambientes
interligados entre si: o primeiro é chamado de Ouro, onde
existe a simulação de um extenso deserto onde o
individuo solitariamente navega; o segundo espaço é
Viridis, espaço circular azul onde é possível
perceber a entrada de outros visitantes – através
de uma sala que apresenta imagens de céus – mas não
há qualquer contato; já o terceiro espaço,
chamado Plumas, trata-se de uma simulação de deserto
dividido em três situações diferentes de apresentação
– similar ao ambiente Ouro, monocromática e line-art
– no qual se torna possível o contato entre os visitantes.
Pensando na metáfora do deserto, discorre DOMINGUES (2002:38):
"O cenário contemporâneo é um deserto
de paixões e um excitante mundo virtual das memórias
eletrônicas. Nossa consciência experiencia uma ruptura
do excesso numa situação dialética: o cheio
e o vazio simultaneamente. Eu estou retomando a metáfora
contemporânea do deserto que resulta da morte das ideologias
neste mundo em que as paixões políticas, públicas
e privadas perderam sua força dramática. Mas, no
deserto, nós também temos experiências iniciáticas.
Na mesma direção, ao conectar mundos virtuais, vivemos
o vazio do real e as múltiplas opções de
dados".
Já aos olhos de Edmond JABÈS (1989:107-108), renomado
escritor franco-egípcio, outras recorrências da figura
do deserto:
"Não se pode falar do deserto como de um lugar;
pois ele é, também, um não lugar; o não-lugar
de um lugar ou o lugar de um não-lugar. Não se pode
pretender que o deserto seja uma distância, porque ele é,
ao mesmo tempo, real distância e não-distância
absoluta por causa de sua ausência de marcas. Ele tem, como
limites, os quatro horizontes, sendo o que os liga e os separa.
Ele é sua própria separação onde ele
se torna lugar aberto; abertura do lugar. Não se pode pretender
que o deserto seja o vazio, o nada. Não se pode, tampouco,
pretender que ele seja o término, uma vez que ele é,
igualmente, o começo".
É cativante imaginar o deserto como um silencioso estado
de suspensão da existência, território sem
territorialidade, como é a própria rede Internet.
Parte integrante da dissertação
de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas
no universo da rede Internet", realizada sob a orientação
do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato.
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