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2003

FÁBIO OLIVEIRA NUNES







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Partilha e simulação

CONTINUAÇÃO

Em ambos os casos, temos uma coletividade que se resolve no campo do virtual, que se encontra, interage e desfaz-se num espaço comum inserido na ordem das possibilidades oferecidas em cada um dos canais. Assim como nos conhecidos chats da rede Internet, nos quais se pode estabelecer contato por meio de texto e como em softwares de comunidades virtuais como o Active Worlds, onde além do contato textual há também a projeção do indivíduo em terceira dimensão sob a forma de um avatar – termo advindo do hindu, que significa a encarnação de Deus – que se locomove, aproxima e distancia de seus semelhantes simultaneamente conectados.

Aliás, mundos como Active Worlds, nos interessam também pela junção da comunicação simultânea entre os usuários – ambiente multiusuário – e tridimensionalidade espacial. Um espaço de realidade virtual compartilhado. Através do programa pode se ter acesso a centenas de mundos virtuais que são construídos pelos próprios associados, a maioria deles, com temas diversos, como cenários cinematográficos, referenciais a períodos da história da arte ou a cidades fisicamente existentes. A idéia de tradução literal da cidade real, com suas ruas, prédios, trânsito e transeuntes é muito recorrente nos espaços disponibilizados. Reverencia-se o conhecido, para adentrar o desconhecido.

5.2 Realidade Virtual

A Realidade Virtual (RV) surge num cenário militar: suas primeiras utilizações estão relacionadas aos simuladores de vôo que ensinam aos pilotos como voar em determinadas situações. Pesquisas desenvolvidas pelo exército americano, durante a 2ª guerra mundial, indicavam que quase a totalidade de acidentes concentrava-se em pilotos com cinco ou menos missões de combate, daí a necessidade de um sistema que, em terra, simulasse situações reais.

Os primeiros simuladores computacionais de vôo utilizavam-se de um vídeo-capacete onde era possível obter uma visão estereoscópica e pela utilização de sensores de posição devidamente espalhados pelo corpo, pode-se dar uma sensação de correlação muscular. Em 1989, o Departamento de Defesa Norte-Americano (DoD) lança Simnet (Simulator Network), uma rede experimental baseada em microcomputadores que permitiu ao pessoal militar praticar operações de combate em sistemas de treinamento interativo de tempo real. O Simnet foi utilizado pelos soldados americanos para a Guerra do Golfo, em 1991.

Dispositivos – à esquerda, o Sensorama (1962) de Morton Heilig. Visão estereoscópica, cheiros, ventiladores de ar, som e cadeira que “tremia”: precursor da imersão do usuário num ambiente sintético. À direita, dispositivos recentes de uso em sistemas de realidade virtual imersiva: capacete e data glove.

 

Ao lado das utilizações militares, artistas como Myron Krueger estabelecem experimentações que se aproximam da Realidade Virtual. Krueger desenvolve em 1969, uma instalação que ele denominou como realidade artificial chamada Videoplace na qual o visitante pode interagir com elementos sintéticos sobre uma tela. A imagem da pessoa é projetada e é possível interferir em formas e objetos em movimento. No fim dos anos 80, surgem os primeiros kits de realidade virtual em 3D que permitem uma completa imersão nos espaços sintéticos. Tom Zimmerman, procurando criar um dispositivo de simulação de instrumento musical, desenvolve uma data glove que possibilita manipular, tomar e até construir objetos virtuais no uso conjunto de um capacete especial desenvolvido por Jason Lanier . Assim, alguns especialistas preferem definir duas modalidades de RV: a realidade virtual não-imersiva, acessível através de telas de computadores e a realidade virtual imersiva, acessível através de dispositivos especiais como capacetes e CAVEs .

É certo que a presença de Realidade Virtual a qual estamos mais acostumados no nosso dia - à - dia é através dos games – não exatamente jogando, mas se torna cada vez mais difícil não notá-los – que perduram por gerações, desde o advento do Atari . Porém, as utilizações da RV se expandem para outros campos do conhecimento como a medicina, as ciências exatas, como a astronomia e a física e na educação. Muitos avanços em Realidade Virtual têm sido alcançados pela Agência Espacial Americana – a NASA. Com a popularização das redes telemáticas, passa a ser possível não só imergir isoladamente como também interagir em tempo real com outros indivíduos ao mesmo tempo, num mesmo espaço. Para tanto, a WWW – a interface gráfica da rede – teve um papel fundamental.

5.2.1 Realidade Virtual via Internet

Através da acessibilidade da WWW e das facilidades da linguagem HTML , a rede Internet no fim dos anos 90 caminha para a sua ascensão: a onipresença em torno do globo, ramificada, autônoma, descentralizada, um rizoma pulsante povoado por milhões de indivíduos e seus web sites. Mas os conteúdos da rede ainda são majoritariamente bidimensionais: muitas páginas ainda permanecem no paradigma impresso (ou no máximo, aventurando-se em algum conteúdo multimídia) embora já existam diversas ferramentas de criação de espaços navegáveis e exploratórios em terceira dimensão, acessíveis ao usuário leigo diante de especificidades técnicas.

Na Internet, a apresentação de conteúdos tridimensionais se dá basicamente através da VRML – o equivalente da HTML para ambientes em terceira dimensão, já que também se resume basicamente em um documento de texto – que surge em 1995, com o surgimento da versão 1.0. Esta versão permitia o desenvolvimento de cenas estáticas, sem animação. No ano seguinte, surge uma versão sucessora: 2.0 que, por sua vez, teve sua sintaxe redefinida e passou a aceitar animações, imagens de background, efeitos de névoa e outras extensões. Em 1997, a VRML obteve outras especificações e passou a ter uma nova denominação: VRML 97. A maioria dos browsers (navegadores) para visualização de VRML é compatível com os dois últimos formatos.

Assim como a HTML, a VRML possibilita a sua criação através do desvendamento de seu código fonte, com tags (comandos) tão simples quanto sua versão bidimensional. Porém, existem editores gráficos que possibilitam um desenvolvimento mais intuitivo a partir da utilização de formas básicas e linhas. Por ser um arquivo textual, possibilita a criação de amplos espaços virtuais, acessíveis a computadores com baixa largura de banda, via conexão discada, devido ao reduzido tamanho do arquivo. Ao mesmo tempo, sua navegação até requer alguma habilidade, mas apresenta-se extremamente simples, na maioria dos navegadores.

As utilizações artísticas em VRML estão efetivamente presentes na produção brasileira de web arte: além de já ter sido utilizada por artistas como Silvia Laurentiz e Lúcia Leão, é amplamente utilizada por Suzete Venturelli e Tânia Fraga, ambas pesquisadoras do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB). Na Internet, é possível encontrar diversos trabalhos artísticos desenvolvidos em VRML: o Festival Web3D Art , por exemplo, específico em trabalhos exploratórios em terceira dimensão, possibilita o acesso a diversos trabalhos. Após este brevíssimo percurso sobre a Realidade Virtual e algumas de suas utilizações, vamos nos voltar agora a Desertesejo.

5.3 Desertesejo

Desertesejo (Deserto + Desejo) é, segundo o seu próprio autor “um ambiente virtual interativo multiusuário para Web que explora poeticamente a extensão geográfica, rupturas temporais, a solidão, a reinvenção constante e a proliferação de pontos de encontro e partilha” (PRADO, 2003a). Desenvolvido em tecnologia VRML através do Programa Rumos do Itaú Cultural, São Paulo, o projeto contou com uma equipe de especialistas em modelação e design, que seguiam as diretrizes dadas pelo artista. Foi possível dispor de profissionais gabaritados em conhecimentos específicos para a execução de um objetivo comum. O resultado de mais de um ano de trabalho foi apresentado em 2000 pelo Itaú Cultural e mais tarde, em 2002, na 25ª Bienal de São Paulo, Núcleo Net Arte Brasil, além de outros eventos como o 9º Prix Möbius International des Multimédias - Pequim, China, 2001.

O trabalho é constituído de três ambientes interligados entre si: o primeiro é chamado de Ouro, onde existe a simulação de um extenso deserto onde o individuo solitariamente navega; o segundo espaço é Viridis, espaço circular azul onde é possível perceber a entrada de outros visitantes – através de uma sala que apresenta imagens de céus – mas não há qualquer contato; já o terceiro espaço, chamado Plumas, trata-se de uma simulação de deserto dividido em três situações diferentes de apresentação – similar ao ambiente Ouro, monocromática e line-art – no qual se torna possível o contato entre os visitantes.

Pensando na metáfora do deserto, discorre DOMINGUES (2002:38):

"O cenário contemporâneo é um deserto de paixões e um excitante mundo virtual das memórias eletrônicas. Nossa consciência experiencia uma ruptura do excesso numa situação dialética: o cheio e o vazio simultaneamente. Eu estou retomando a metáfora contemporânea do deserto que resulta da morte das ideologias neste mundo em que as paixões políticas, públicas e privadas perderam sua força dramática. Mas, no deserto, nós também temos experiências iniciáticas. Na mesma direção, ao conectar mundos virtuais, vivemos o vazio do real e as múltiplas opções de dados".

Já aos olhos de Edmond JABÈS (1989:107-108), renomado escritor franco-egípcio, outras recorrências da figura do deserto:

"Não se pode falar do deserto como de um lugar; pois ele é, também, um não lugar; o não-lugar de um lugar ou o lugar de um não-lugar. Não se pode pretender que o deserto seja uma distância, porque ele é, ao mesmo tempo, real distância e não-distância absoluta por causa de sua ausência de marcas. Ele tem, como limites, os quatro horizontes, sendo o que os liga e os separa. Ele é sua própria separação onde ele se torna lugar aberto; abertura do lugar. Não se pode pretender que o deserto seja o vazio, o nada. Não se pode, tampouco, pretender que ele seja o término, uma vez que ele é, igualmente, o começo".

É cativante imaginar o deserto como um silencioso estado de suspensão da existência, território sem territorialidade, como é a própria rede Internet.

Parte integrante da dissertação de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas no universo da rede Internet", realizada sob a orientação do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre em contato.

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