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fabiofon.com
2003

FÁBIO OLIVEIRA NUNES







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Poéticas da interface: Experimentações Pessoais

Fabio Oliveira Nunes (Fabio FON)

 

“É o observador que faz a obra”.
Marcel Duchamp

“O meio é a mensagem”.
Marshall McLuhan

6.1 Antecedentes

As expectativas do sujeito-espectador-participante sempre me motivaram em vários trabalhos artísticos – alguns até anteriores às primeiras experimentações na rede Internet – um exemplo disso é o trabalho 1789141219, realizado no ano 1999 , um projeto de arte pública que consistia na fixação de cartazes em postes de rua em vários bairros da cidade de São Paulo, muito próximos a cartazes de casos de desaparecimento com foto de uma criança, que possuía somente números e um endereço Internet. O cartaz foi realizado a partir de uma foto minha de dez anos – foto esta que em seguida seria utilizada em outros vários trabalhos – e de uma longa e híbrida seqüência numérica que abrigava desde meus números de ICQ até números de documentos oficiais, como documento de identidade e cadastro de pessoa física (CPF). Além desses elementos, havia ainda um endereço internet que direcionava para o site Busarte ou para o site ONOS, ambos de minha autoria. A reprodução foi realizada em cópias xerográficas, o que contribuía para um aspecto precário, como em outros reclames comuns da paisagem urbana. Assim, ao focar sua atenção e estabelecer uma expectativa, o passante, se depara com uma situação de não-comunicação, de significado impreciso . Sua expectativa de objetividade da mensagem dá lugar a um sentimento interrogativo, questionador.

Post(e) modern – Nas ruas de alguns bairros de São Paulo, mais uma imagem a poluir a paisagem. Seria um garoto desaparecido? Um ato de propaganda eleitoral ? O cartaz 1789141219, de 1999, permaneceu imerso na paisagem urbana como uma esfinge dos tempos modernos.

Outro trabalho, de vídeo-performance, Felicidade (1999), consistia na distribuição de pequenas caixas em semáforos da periferia de São Paulo, por alguns garotos. Essas caixas, elaboradas em serigrafia, grafadas com a palavra “Felicidade” em quatro de suas faces, procuravam, em alguma instância, se assemelhar a caixas de balas – os chamados dropes – comumente vendidos nestes locais. Novamente, o indivíduo passante – motorizado – recipiente de suas expectativas, se via numa situação insólita, ao passo que as caixinhas não eram vendidas e sim dadas. E não representavam qualquer elemento publicitário ou relativo a qualquer prática comercial. O registro em vídeo apresenta a árdua tarefa dos jovens atores em fazer tal artefato ser aceito.

Ao começar a estabelecer trabalhos na Internet, lancei mão primordialmente desta relação com o espectador-visitante, para estabelecer situações que, algumas vezes, questionam as expectativas em relação à interface e/ou universo computacional. Simultaneamente com o desenvolvimento dos dois trabalhos acima, coloquei on-line o trabalho ONOS – On Operating System (1999) que será analisado mais adiante.

6.2 Deslocamentos

Ao adotar a Internet como meio, transponho o transeunte urbano para um transeunte virtual. A metáfora da rede como espelho do universo urbano, da própria fluidez (ou a falta desta), multiplicidade de estímulos sensoriais e caos é sempre recorrente, como coloca Christine Mello, curadora do núcleo Net Arte Brasil, na 25ª Bienal de São Paulo (2002):

"Ruas, viadutos, transeuntes e grandes anéis viários: links, interfaces, arquivos e servidores. A própria rede torna-se a própria metáfora da cidade, reproduz no microcosmo informacional, a cena urbana, com todas as suas qualidades e infinitos problemas. Ao problema insolúvel dos engarrafamentos a cidade virtual propõe como solução a banda larga, logo saturada também com o aumento exponencial de sites e acessos. A cidade da informação mantém sua velocidade e seu fluxo na proliferação de avenidas invisíveis, no transporte de mensagens via fibra ótica, fios de cobre e cabos".

Os fluxos urbanos refletem-se no próprio ciberespaço. Aos néons reluzentes, os banners e as janelas pop-up saltitantes. Ao anonimato da multidão, os chats e seus apelidos pouco reveladores. Aos nichos de decadência na cena urbana, os sites de pedofilia, de remédios duvidosos, de sexo como produto. Um submundo telemático.

Assim, partindo das considerações urbanas estabelece-se uma premissa que é especular sobre as expectativas do outro, suas visualidades pré-estabelecidas, suas práticas condicionadas. No meio digital, essas especulações esbarram nas questões de interface que num entendimento mais geral é assim colocada por Pierre LÉVY (1993:181):

"Interface é uma superfície de contato, de tradução, de articulação entre dois espaços, duas espécies, duas ordens de realidades diferentes: de um código para outro, do analógico para o digital, do mecânico para o humano... Tudo aquilo que é tradução, transformação, passagem, é da ordem da interface".

Mais específico, JOHNSON (2001:17-35) discorre:

"A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma sensível a outra. Em outras palavras, a relação governada pela interface é uma relação semântica, caracterizada por significado e expressão (...) Um computador pensa – se pensar é a palavra correta no caso – através de minúsculos pulsos de eletricidade, que representam um estado ligado ou um estado desligado, um 0 ou um 1. Os seres humanos pensam através de palavras, conceitos,imagens, sons, associações. (...) O grande drama das próximas décadas vai se desdobrar sob as estrelas cruzadas do analógico e do digital. Como o coro da tragédia grega, filtros de informação vão nos guiar através dessa transição, traduzindo os zeros e uns da linguagem digital nas imagens mais conhecidas, analógicas, da vida cotidiana. Essas metaformas, esses mapeamentos de bits virão para ocupar praticamente todas as facetas da sociedade contemporânea: trabalho, divertimento, amor, família, arte elevada, cultura popular, política. Mas a forma propriamente dita será a mesma, apesar de suas muitas aparências, a labutar continuamente nessa estranha nova zona entre o meio e a mensagem. Essa zona é o que chamamos de interface".

Essa zona de diálogo pode tomar outros rumos que não visam necessariamente uma comunicação objetiva, como é habitual. Muito pelo contrário, aliás, é possível buscar um certo estranhamento em determinadas situações que desvirtuam condicionamentos estabelecidos no meio telemático para expor experiências que questionam nossa sensibilidade e semântica. Nesse ponto, nada mais contundente do que o site Jodi, no qual inspiram-se minhas primeiras experimentações, da mesma forma que influenciou toda uma geração de artistas da web, na busca de uma linguagem coerente com a rede Internet.

O questionamento do suporte – e/ou linguagem – é uma prática que perpassa todos os meios apropriados pelos artistas, persistindo ainda, na pintura como um dos seus pilares de sustentação: a discussão a respeito de elementos constituintes do universo pictórico – tais como linha, representação, espaço – é relevante para muitas pesquisas artísticas contemporâneas.

6.3 ONOS – On Operating System

A Internet torna a relação de visitante e realizador de arte muito próxima. A possibilidade de poder estabelecer não só um trabalho, mas também, a partir deste, estabelecer um canal para discussão desse tipo de produção é salutar. Quando publiquei o trabalho ONOS – On Operating System (1999) através dos endereços http://sites.uol.com.br/jsnunes e http://www.onos.cjb.net, as considerações em torno das expectativas do usuário ainda pairavam no campo das possibilidades. Porém, com o decorrer do tempo, as mensagens recebidas por e-mail colocavam em questão os objetivos do site, as experiências de surpresa e admiração para alguns, descontentamento e perplexidade para outros.

Qual é o ônus? - Onos - On Operating System parte do repertório do usuário comum dos programas baseados na plataforma Microsoft Windows e estabelece um sistema operacional paralelo, repleto de ruídos de informação e momentos labirínticos que o tornam sem qualquer tipo de funcionalidade. Criado em 1999.

ONOS é um site de web arte, desenvolvido através do software Macromedia Flash versão 3.0, constituído de 41 arquivos .swf associados entre si para estabelecer diversas situações no interior do trabalho. Possui duas versões idênticas, uma para o navegador Microsoft Internet Explorer e outra para o navegador Netscape Navigator. A escolha depende do programa utilizado pelo visitante para acessar conteúdos da web. A única diferença entre as duas versões é o fato de que o programa Internet Explorer possibilita tela cheia, sem as barras usuais do sistema Windows – como ocorre com CD-ROMs – diferentemente do Netscape, que as mantêm. Sem as barras, a imersão no trabalho é muito mais completa. Conseqüentemente recomenda-se a visualização através do Internet Explorer.

Depois de escolhida a versão conforme o navegador utilizado, o visitante depara-se com uma tela na qual temos uma representação de uma área de trabalho em computador, com o botão iniciar, ícones colocados onde comumente se apresentam, além de uma janela colocada no canto direito, em semelhança a um programa de mensagens instantâneas, como ICQ – I seek you, MSN Messenger e outros vários, com lista e indicadores animados que se assemelham à práxis desses programas. O fundo esverdeado remete diretamente a aparência default (a priori) da versão 95 do Microsoft Windows, assim como a maneira pela qual os ícones são colocados – títulos de texto em branco, localizados na parte esquerda da tela. Há um esforço visível em se aproximar da estrutura de composição apresentada pelo programa, ainda que, os elementos mais diminutos sejam outros.

 

Parte integrante da dissertação de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas no universo da rede Internet", realizada sob a orientação do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre em contato.

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