|
Poéticas da interface: Experimentações
Pessoais
Fabio Oliveira Nunes (Fabio FON)
“É o observador
que faz a obra”.
Marcel Duchamp
“O meio é a mensagem”.
Marshall McLuhan
6.1 Antecedentes
As expectativas do sujeito-espectador-participante sempre me
motivaram em vários trabalhos artísticos –
alguns até anteriores às primeiras experimentações
na rede Internet – um exemplo disso é o trabalho
1789141219, realizado
no ano 1999 , um projeto de arte pública que consistia
na fixação de cartazes em postes de rua em vários
bairros da cidade de São Paulo, muito próximos a
cartazes de casos de desaparecimento com foto de uma criança,
que possuía somente números e um endereço
Internet. O cartaz foi realizado a partir de uma foto minha de
dez anos – foto esta que em seguida seria utilizada em outros
vários trabalhos – e de uma longa e híbrida
seqüência numérica que abrigava desde meus números
de ICQ até números de documentos oficiais, como
documento de identidade e cadastro de pessoa física (CPF).
Além desses elementos, havia ainda um endereço internet
que direcionava para o site
Busarte ou para o site ONOS, ambos de minha autoria. A reprodução
foi realizada em cópias xerográficas, o que contribuía
para um aspecto precário, como em outros reclames comuns
da paisagem urbana. Assim, ao focar sua atenção
e estabelecer uma expectativa, o passante, se depara com uma situação
de não-comunicação, de significado impreciso
. Sua expectativa de objetividade da mensagem dá lugar
a um sentimento interrogativo, questionador.
Post(e) modern –
Nas ruas de alguns bairros de São Paulo, mais uma
imagem a poluir a paisagem. Seria um garoto desaparecido?
Um ato de propaganda eleitoral ? O cartaz 1789141219, de
1999, permaneceu imerso na paisagem urbana como uma esfinge
dos tempos modernos. |
Outro trabalho, de vídeo-performance, Felicidade (1999),
consistia na distribuição de pequenas caixas em
semáforos da periferia de São Paulo, por alguns
garotos. Essas caixas, elaboradas em serigrafia, grafadas com
a palavra “Felicidade” em quatro de suas faces, procuravam,
em alguma instância, se assemelhar a caixas de balas –
os chamados dropes – comumente vendidos nestes locais. Novamente,
o indivíduo passante – motorizado – recipiente
de suas expectativas, se via numa situação insólita,
ao passo que as caixinhas não eram vendidas e sim dadas.
E não representavam qualquer elemento publicitário
ou relativo a qualquer prática comercial. O registro em
vídeo apresenta a árdua tarefa dos jovens atores
em fazer tal artefato ser aceito.
Ao começar a estabelecer trabalhos na Internet, lancei
mão primordialmente desta relação com o espectador-visitante,
para estabelecer situações que, algumas vezes, questionam
as expectativas em relação à interface e/ou
universo computacional. Simultaneamente com o desenvolvimento
dos dois trabalhos acima, coloquei on-line o trabalho ONOS –
On Operating System (1999) que será analisado mais adiante.
6.2 Deslocamentos
Ao adotar a Internet como meio, transponho o transeunte urbano
para um transeunte virtual. A metáfora da rede como espelho
do universo urbano, da própria fluidez (ou a falta desta),
multiplicidade de estímulos sensoriais e caos é
sempre recorrente, como coloca Christine Mello, curadora do núcleo
Net Arte Brasil, na 25ª Bienal de São Paulo (2002):
"Ruas, viadutos, transeuntes e grandes anéis
viários: links, interfaces, arquivos e servidores. A própria
rede torna-se a própria metáfora da cidade, reproduz
no microcosmo informacional, a cena urbana, com todas as suas
qualidades e infinitos problemas. Ao problema insolúvel
dos engarrafamentos a cidade virtual propõe como solução
a banda larga, logo saturada também com o aumento exponencial
de sites e acessos. A cidade da informação mantém
sua velocidade e seu fluxo na proliferação de avenidas
invisíveis, no transporte de mensagens via fibra ótica,
fios de cobre e cabos".
Os fluxos urbanos refletem-se no próprio ciberespaço.
Aos néons reluzentes, os banners e as janelas pop-up saltitantes.
Ao anonimato da multidão, os chats e seus apelidos pouco
reveladores. Aos nichos de decadência na cena urbana, os
sites de pedofilia, de remédios duvidosos, de sexo como
produto. Um submundo
telemático.
Assim, partindo das considerações urbanas estabelece-se
uma premissa que é especular sobre as expectativas do outro,
suas visualidades pré-estabelecidas, suas práticas
condicionadas. No meio digital, essas especulações
esbarram nas questões de interface que num entendimento
mais geral é assim colocada por Pierre LÉVY (1993:181):
"Interface é uma superfície de contato,
de tradução, de articulação entre
dois espaços, duas espécies, duas ordens de realidades
diferentes: de um código para outro, do analógico
para o digital, do mecânico para o humano... Tudo aquilo
que é tradução, transformação,
passagem, é da ordem da interface".
Mais específico, JOHNSON (2001:17-35) discorre:
"A interface atua como uma espécie de tradutor,
mediando entre as duas partes, tornando uma sensível a
outra. Em outras palavras, a relação governada pela
interface é uma relação semântica,
caracterizada por significado e expressão (...) Um computador
pensa – se pensar é a palavra correta no caso –
através de minúsculos pulsos de eletricidade, que
representam um estado ligado ou um estado desligado, um 0 ou um
1. Os seres humanos pensam através de palavras, conceitos,imagens,
sons, associações. (...) O grande drama das próximas
décadas vai se desdobrar sob as estrelas cruzadas do analógico
e do digital. Como o coro da tragédia grega, filtros de
informação vão nos guiar através dessa
transição, traduzindo os zeros e uns da linguagem
digital nas imagens mais conhecidas, analógicas, da vida
cotidiana. Essas metaformas, esses mapeamentos de bits virão
para ocupar praticamente todas as facetas da sociedade contemporânea:
trabalho, divertimento, amor, família, arte elevada, cultura
popular, política. Mas a forma propriamente dita será
a mesma, apesar de suas muitas aparências, a labutar continuamente
nessa estranha nova zona entre o meio e a mensagem. Essa zona
é o que chamamos de interface".
Essa zona de diálogo pode tomar outros rumos que não
visam necessariamente uma comunicação objetiva,
como é habitual. Muito pelo contrário, aliás,
é possível buscar um certo estranhamento em determinadas
situações que desvirtuam condicionamentos estabelecidos
no meio telemático para expor experiências que questionam
nossa sensibilidade e semântica. Nesse ponto, nada mais
contundente
do que o site Jodi, no qual inspiram-se minhas primeiras experimentações,
da mesma forma que influenciou toda
uma geração de artistas da web, na busca de
uma linguagem coerente com a rede Internet.
O questionamento do suporte – e/ou linguagem – é
uma prática que perpassa todos os meios apropriados pelos
artistas, persistindo ainda, na pintura como um dos seus pilares
de sustentação: a discussão a respeito de
elementos constituintes do universo pictórico – tais
como linha, representação, espaço –
é relevante para muitas pesquisas artísticas contemporâneas.
6.3 ONOS – On Operating System
A Internet torna a relação de visitante e realizador
de arte muito próxima. A possibilidade de poder estabelecer
não só um trabalho, mas também, a partir
deste, estabelecer um canal para discussão desse tipo de
produção é salutar. Quando publiquei o trabalho
ONOS – On Operating System (1999) através dos endereços
http://sites.uol.com.br/jsnunes e http://www.onos.cjb.net, as
considerações em torno das expectativas do usuário
ainda pairavam no campo das possibilidades. Porém, com
o decorrer do tempo, as mensagens recebidas por e-mail colocavam
em questão os objetivos do site, as experiências
de surpresa e admiração para alguns, descontentamento
e perplexidade para outros.
Qual é o ônus? - Onos
- On Operating System parte do repertório do usuário
comum dos programas baseados na plataforma Microsoft Windows
e estabelece um sistema operacional paralelo, repleto de
ruídos de informação e momentos labirínticos
que o tornam sem qualquer tipo de funcionalidade. Criado
em 1999. |
ONOS é um site de web arte, desenvolvido através
do software Macromedia
Flash versão 3.0, constituído de 41 arquivos
.swf associados entre si para estabelecer diversas situações
no interior do trabalho. Possui duas versões idênticas,
uma para o navegador Microsoft Internet Explorer e outra para
o navegador Netscape Navigator. A escolha depende do programa
utilizado pelo visitante para acessar conteúdos da web.
A única diferença entre as duas versões é
o fato de que o programa Internet Explorer possibilita tela
cheia, sem as barras usuais do sistema Windows – como
ocorre com CD-ROMs – diferentemente do Netscape, que as
mantêm. Sem as barras, a imersão no trabalho é
muito mais completa. Conseqüentemente recomenda-se a visualização
através do Internet Explorer.
Depois de escolhida a versão conforme o navegador utilizado,
o visitante depara-se com uma tela na qual temos uma representação
de uma área de trabalho em computador, com o botão
iniciar, ícones colocados onde comumente se apresentam,
além de uma janela colocada no canto direito, em semelhança
a um programa de mensagens
instantâneas, como ICQ – I seek you, MSN Messenger
e outros vários, com lista e indicadores animados que se
assemelham à práxis desses programas. O fundo esverdeado
remete diretamente a aparência default (a priori) da versão
95 do Microsoft Windows, assim como a maneira pela qual os ícones
são colocados – títulos de texto em branco,
localizados na parte esquerda da tela. Há um esforço
visível em se aproximar da estrutura de composição
apresentada pelo programa, ainda que, os elementos mais diminutos
sejam outros.
Parte integrante da dissertação
de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas
no universo da rede Internet", realizada sob a orientação
do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato.
|