|
Territórios de uma arte global
Fabio Oliveira Nunes (Fabio FON)
“Telematicamente, a
mente não tem fronteiras”.
Roy Ascott (1997:344)
Ao fim do século XX, o conceito de território
já havia sido completamente revisto. Antes mesmo da popularização
da rede Internet, fala-se na idéia de uma Aldeia Global,
num patamar comum, vizinhos cada vez mais próximos. Dinamarca,
Holanda, França, Japão, China, Haiti, Sudão.
Os estados nacionais, as nações, perdem sua força.
A economia de mercado, o Capital, toma para si o controle das
relações sociais, políticas, culturais –
o Neoliberalismo. Corporações Transnacionais. O
meio de comunicação comum a todos, a rede mundial
Internet torna-se, ao mesmo tempo, agente e resultado neste processo.
No território digital não há
fronteiras, nem alfândegas.Há um livre trânsito
de informações, pessoas e produtos do meio. Em similaridade,
as fronteiras terrestres – reais – tornam-se cada
vez mais rarefeitas, obsoletas. Surgem várias comunidades
entre países que oficializam essa condição
por motivos comerciais e/ou para fortalecimento diante de outros
blocos mundiais.
Diante de fluxos muito mais dinâmicos, a produção
cultural mundial parte para uma certa homogeneidade. A Mass Media
– nos anos 90, onipresente em todos os meios – parte
para um arcabouço comum muitas vezes centrado na figura
do indivíduo urbano, a metrópole e seus problemas,
violência, solidão, perversão e outros tantos
que tornam a geografia, o lugar-origem cada vez mais invisível
e indefinido. Através da arquitetura urbana contemporânea,
podemos traçar paralelos, através da visão
de IBELINGS (1998:67) sobre a globalização e suas
características:
"Ainda que hoje seja possível destacar
a natureza multicultural, multiforme das áreas urbanas
em todo o mundo como sinal de crescente heterogeneidade, os argumentos
mais sólidos parecem favorecer a uma condição
homogênea. A presença por todo o planeta de cadeias
de negócios e restaurantes de comida rápida, assim
como de anúncios de bem de consumo disponíveis nas
quatro esquinas do globo, de Sony a Malboro y Nike, são
as manifestações mais óbvias desta homogeneização.
Mas existem muitos outros indícios. Um é o fato
de que as cidades e aglomerações urbanas de todo
o mundo têm desenvolvido crescimentos e perfis semelhantes.
Não importa para onde nós olharmos, sempre parece
haver centro urbanos repletos de arranha-céus, vizinhanças
do tipo residencial, periferias urbanas cruzadas por rodovias
e polígonos de negócios. E em todas as partes, a
arquitetura explorada com esses fins tem um certo grau de inexpressividade.
A tendência parece mais clara que em nenhuma outra parte
nas cidades asiáticas, objetos de numerosas reportagens
recentes em publicações que descrevem, com uma mescla
de surpresa e admiração, o desenvolvimento frenético
de cidades como Seul e Xangai".
Essa homogeneização global irá
ser ainda mais visível naqueles espaços que AUGÉ
(1994) irá classificar como não-lugares, tais como
supermercados, aeroportos, centros comerciais, hotéis,
rodovias e outros espaços de passagem nos quais existe
a impressão de serem idênticos, independentemente
do lugar do mundo onde estão situados.
Neste processo, os indícios de localidade
se perdem, se unificam. Assim como na rede mundial: um universo
descontextualizado, por excelência, alçando proximidades
distantes em âmbito geográfico.
2.1 Arte global
Se o processo de globalização vem
criando homogeneidades, estas por sua vez, estabelecem um repertório
comum para qualquer indivíduo que se encontre em um conglomerado
urbano. Seja um logotipo de uma famosa rede de comida rápida,
sejam as placas de localização e indicação
em aeroportos ou mesmo as indicações de trajeto
numa rodovia, constrói-se pouco a pouco, um gigantesco
repositório visual onde significado independe da origem
do indivíduo. Neste processo, ainda, a informação
passa a ter um valor crescente, tanto para o indivíduo
quanto para as instituições. O peso da informação
para a sociedade globalizada estará diretamente ligado
a um código comum: o digital, o universo computacional,
interfaces, sistemas operacionais.
Neste contexto, global por excelência, a produção
artística para a Internet dispensa fronteiras. O ciberespaço
– das transmissões celulares, passando pelos cabos
de fibra ótica às transmissões via satélite
– como entidade onipresente, coloca o mundo a disposição
dos artistas e vice-versa.
Sob o aspecto transnacional, é necessário
citar a arte postal – mail-art – como precursora destas
questões ao atravessar fronteiras e estabelecer trabalhos
intercambiados por artistas de diferentes países via correio.
Em meio a movimentos como o Neo-dadá e Fluxus, a arte postal
tem sua origem no ano de 1963, data de fundação
da “New York Correspondence School of Art” pelo artista
Ray Johnson. Sobre a arte postal, Walter ZANINI (1981), escreveu:
"Atividade de clara mobilização
internacional, marcada pelo quantitativismo, com a dinâmica
de seus gestos-signos e mais raramente com seus objetos-signos,
a arte postal espraiou-se num espectro extremamente vasto de conteúdos,
utilizando todo e qualquer veículo de comunicação
disponível na sociedade de consumo. Se esse conglomerado
anárquico de mensagens irreverentes transtorna, é
porque a civilização está transtornada".
Mas o globo só poderia realmente ser visto
como uno através dos satélites: emanam mensagens
numa nova escala, sob um ponto de vista literalmente global. Sobre
as potencialidades artísticas das novas tecnologias, Stephen
WILSON (1997:326) atenta para o internacionalismo nas telecomunicações:
"Os artistas podem muito bem querer enfocar
especificamente as diferenças nas perspectivas e nas culturas
que as telecomunicações tornam acessíveis,
ou enfocar a interdependência das comunidades mundiais manifestadas
simbolicamente em trabalhos de rede de telecomunicações.
Todavia, os artistas têm de estar conscientes que a tecnologia
das telecomunicações apresenta, ironicamente, uma
ameaça para a diversidade cultural ao mesmo tempo em que
tenta promovê-la".
Essa nova escala de recepção/transmissão
de mensagens será ainda mais ampliada com o advento das
redes telemáticas.
Do mesmo modo que a produção em arte
postal, grande parte dos eventos que buscam abordar a produção
de arte digital ou net-arte, serão realizados em âmbito
internacional – inclusive aqueles realizados no Brasil –
abarcando realizadores das mais variadas partes do mundo.
No Brasil, festivais como o FILE – Festival
Internacional da Linguagem Eletrônica– ou o Videobrasil–
Festival Internacional de arte eletrônica – passam
a intercambiar as produções internacionais com as
produções de artistas brasileiros. Esses eventos
passam a ser ilustrativos de uma produção brasileira
crescente em novas tecnologias e da necessidade de discussão
das questões inerentes a esse tipo de produção
artística.
Dentro desse contexto global, em que a produção
artística brasileira para a rede Internet encontra-se no
mesmo rol das produções internacionais, configurando-se
muitas vezes ao lado de produções das mais variadas
partes do mundo, é inegável a necessidade de criação
de trabalhos igualmente de cunho global, sob a pena de restringir
significados a um universo local ou regional.
Assim, muitos artistas irão produzir trabalhos
com dois ou mais idiomas disponíveis ou que não
necessitem de um entendimento mais complexo de uma língua
que não seja o inglês. Bem como partirão para
elementos visuais difundidos internacionalmente ou intrínsecos
à vida moderna, convenções da informática
ou da Internet que sob o aspecto semântico, aproximarão
visitante e trabalho visitado, independente da origem de ambos.
Parte integrante da dissertação
de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas
no universo da rede Internet", realizada sob a orientação
do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato.
|