|
Territórios de uma arte global
CONTINUAÇÃO
Já a artista Giselle Beiguelman discute o suporte escrito,
a literatura, seus desdobramentos digitais; “o livro depois
do livro” como ela mesma determina. Através do site
Desvirtual
,é possível ter acesso a trabalhos como <content
= no cache> (2000), que traz a tona questões da linguagem
digital. Um outro lado, nos limiares literários, é
Lands
Beyond (1997) – da dupla Thiago Boud’hors e Celso
Reeks – onde existe uma estetização de elementos
de interface justaposta a citações literárias.
Ainda num arcabouço literário, está também
a pesquisa artística de Daniel Sêda, Stultifera
Navis (2001) Em especial, apresenta um universo deslocado
no tempo das objetividades digitais. Sua poética estranhamente
rebuscada estabelece uma relação dissociada do meio.
Ainda na questão textual, está Literaterra
(2002) – de Artur Matuck – onde é possível
desecrever através de mecanismos semi-randômicos.
"A emanação da cultura escrita no meio
digital discute a sua própria existência. A Internet,
meio visual por excelência, está estabelecendo uma
nova condição para o texto. Além de fragmentado,
sintético – na concisão de um e-mail. A escrita,
confundida com a leitura, tenderá a se tornar coletiva
e anônima" (MACHADO, 1997:145).
Essas questões encontram ressonância também
internacionalmente: o site Grammatron,
do artista Mark Amerika, estabelece um ambiente narrativo textual
de domínio público; uma pesquisa que adentra estados
da escrita contemporânea. Um outro interessante projeto
internacional que também aborda a cultura escrita é
The
Complete Work of Shakespeare (2002), uma web performance desenvolvida
no CaiiA-STAR/Limbomedia, onde macacos num infinito espaço
de tempo, digitando um número infinito de letras, eventualmente
podem escrever as obras completas de Shakespeare.
Pensar a escrita é dialogar com a própria existência
humana e a conseqüente formação de senso comum
do homem, conforme KERCKHOVE (1993:57):
"O ato da leitura nos deixou mais atentos do que nunca
a nossos sentidos, mesmo se as palavras imitando e por isso mesmo
substituindo a nossa experiência sensorial real, na realidade
nos privaram desta. Quase da mesma maneira que o alfabeto reduziu
a
nossa experiência sensorial a uma única linha
de sentido, a digitalização reduz hoje nossa experiência
mental e orgânica a uma única seqüência
de informações codificadas".
Voltando aos trabalhos desenvolvidos por artistas brasileiros,
a indefinição semântica do meio computacional
definiu uma linha de trabalhos que reverberam em produções
que discutem a funcionalidade que buscam determinar linguagem;
paradigmas que se encontram flutuando sobre um mar de possibilidades.
A artista brasileira Lúcia
Leão, por exemplo, parte para a acepção
do labirinto como metáfora da própria hipermídia.
Explicando essa comparação, MACHADO (1997:149):
"A melhor metáfora para a hipermídia é
a do labirinto, pois a hipermídia reproduz com perfeição
a estrutura intrincada e descentralizada deste último.
Na verdade, a forma labiríntica da hipermídia repete
a forma labiríntica do chip, ícone por excelência
da complexidade do nosso tempo. (...) A regra básica de
exploração [dos labirintos da antiguidade] era,
diante de uma encruzilhada, optar por todas as alternativas, percorrendo
cada uma delas isoladamente e voltando em seguida ao mesmo ponto
de partida para optar por outro caminho. O melhor percurso não
era aquele que permitia chegar mais depressa ao fim, mas
o que possibilitava visitar o maior número possível
de lugares, sem ficar repetindo infinitamente o mesmo caminho".
Em trabalhos como Plural Maps, apresentado no núcleo Net
Arte Brasil da 25ª Bienal de São Paulo, em 2002; e
“Labirinto de espelhos”, Leão apresenta referências
mitológicas que se justapõem ao universo computacional.
Ao colocar a tecnologia como cerne em seus questionamentos, alguns
artistas brasileiros partem para uma busca comum: o elemento humano
nas tecnologias. O tema foi discutido em um dos eventos mais importantes
de arte e novas mídias realizados no Brasil: “A
Arte no Século XXI: A Humanização das Tecnologias”,
em 1995. Nesta ocasião, a artista Diana DOMINGUES (1997:25),
organizadora do evento, escreve:
"Neste panorama da arte tecnológica interativa,
devemos pensar os limites da arte e de um corpo tecnologizado
demarcados pelas novas fronteiras dos territórios digitais.
(...) A presença do corpo em ação é
uma das questões da arte contemporânea. Neste século,
encontramos não somente representações que
falam do corpo como na história da arte, mas ações,
comportamentos que envolvem o corpo na sua capacidade física
de demonstrar trabalho, ou seja, o corpo imerso no conceito de
energia".
As produções de Diana Domingues, a partir dos anos
90, partem para a discussão de temas ligados à biologia
e à medicina, estabelecendo através de diversos
trabalhos, a discussão na relação entre o
corpo e as novas tecnologias de produção de imagens.
Mais adiante adentra também na discussão do corpo
de modo mais comportamental através de trabalhos intrinsecamente
interativos. INSN(H)AK(R)ES (2000), por exemplo, é uma
web instalação onde o visitante pode controlar um
robô-cobra que convive dentro de um recipiente com cobras
verdadeiras. O visitante tem uma visão em primeira pessoa
através de uma câmera instalada na cabeça
do robô. Este trabalho foi anexado a outro mais recente,
Ouroboros, apresentado em 2002, no núcleo Net Arte Brasil
da 25ª Bienal de São Paulo.
Suzete Venturelli também transita pelas considerações
em torno do corpo humano, estabelecendo construções
virtuais através de modelagens em terceira dimensão
e animação computacional. Nos ambientes de simulação,
o corpo humano encarna-se em um avatar: termo originário
da literatura hindu – uma reencarnação de
Deus na terra – para determinar a personagem que o visitante
irá desenvolver no espaço virtual. Venturelli trabalha
com o corpo virtual e suas possibilidades estéticas, inserindo-se
na prática tecnológica no desenvolvimento dos seus
trabalhos. Sua pesquisa artística relaciona-se com Yoichiro
Kawaguchi, artista japonês pioneiro na área de
animação computacional, que cria mundos virtuais
inspirados em vegetais, animais e híbridos totalmente imaginados.
Aproxima-se também da pesquisa dos franceses Hervé
Huitric e Monique Nahas, que desenvolvem modelos do corpo humano
animados utilizando curvas matemáticas. Um dos trabalhos
de Venturelli é Kennetic
World (2000), programa artístico multiusuário
imersivo que permite a comunicação entre os visitantes,
estabelecendo percursos de presença, num espaço
vivo, mutável.
Em proximidade com Suzete Venturelli, está a artista brasileira
Tânia Fraga que também desenvolve pesquisas no campo
das imagens de simulação – terceira dimensão
e VRML – desenvolvendo espaços de realidade virtual
na rede Internet. Desenvolve objetos virtuais tridimensionais
que visam a interação do visitante imerso em seus
espaços. Um dos seus trabalhos disponíveis na rede
Internet é Xmantic
Web(1999), desenvolvido no Laboratório Virtual de Pesquisa
em Arte (LVPA) da Universidade de Brasília, propõe
diálogos multiculturais.
A pesquisa de artistas como Kiko Goifman, Eduardo Kac e Gilbertto
Prado, que serão citados nos capítulos seguintes,
também se apresentam com importância diante de uma
visão mais panorâmica da produção artística
brasileira para a Internet.
Parte integrante da dissertação
de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas
no universo da rede Internet", realizada sob a orientação
do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre
em contato.
|