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2003

FÁBIO OLIVEIRA NUNES







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Territórios de uma arte global

CONTINUAÇÃO

Já a artista Giselle Beiguelman discute o suporte escrito, a literatura, seus desdobramentos digitais; “o livro depois do livro” como ela mesma determina. Através do site Desvirtual ,é possível ter acesso a trabalhos como <content = no cache> (2000), que traz a tona questões da linguagem digital. Um outro lado, nos limiares literários, é Lands Beyond (1997) – da dupla Thiago Boud’hors e Celso Reeks – onde existe uma estetização de elementos de interface justaposta a citações literárias. Ainda num arcabouço literário, está também a pesquisa artística de Daniel Sêda, Stultifera Navis (2001) Em especial, apresenta um universo deslocado no tempo das objetividades digitais. Sua poética estranhamente rebuscada estabelece uma relação dissociada do meio. Ainda na questão textual, está Literaterra (2002) – de Artur Matuck – onde é possível desecrever através de mecanismos semi-randômicos.

"A emanação da cultura escrita no meio digital discute a sua própria existência. A Internet, meio visual por excelência, está estabelecendo uma nova condição para o texto. Além de fragmentado, sintético – na concisão de um e-mail. A escrita, confundida com a leitura, tenderá a se tornar coletiva e anônima" (MACHADO, 1997:145).

Essas questões encontram ressonância também internacionalmente: o site Grammatron, do artista Mark Amerika, estabelece um ambiente narrativo textual de domínio público; uma pesquisa que adentra estados da escrita contemporânea. Um outro interessante projeto internacional que também aborda a cultura escrita é The Complete Work of Shakespeare (2002), uma web performance desenvolvida no CaiiA-STAR/Limbomedia, onde macacos num infinito espaço de tempo, digitando um número infinito de letras, eventualmente podem escrever as obras completas de Shakespeare.

Pensar a escrita é dialogar com a própria existência humana e a conseqüente formação de senso comum do homem, conforme KERCKHOVE (1993:57):

"O ato da leitura nos deixou mais atentos do que nunca a nossos sentidos, mesmo se as palavras imitando e por isso mesmo substituindo a nossa experiência sensorial real, na realidade nos privaram desta. Quase da mesma maneira que o alfabeto reduziu a nossa experiência sensorial a uma única linha de sentido, a digitalização reduz hoje nossa experiência mental e orgânica a uma única seqüência de informações codificadas".

Voltando aos trabalhos desenvolvidos por artistas brasileiros, a indefinição semântica do meio computacional definiu uma linha de trabalhos que reverberam em produções que discutem a funcionalidade que buscam determinar linguagem; paradigmas que se encontram flutuando sobre um mar de possibilidades. A artista brasileira Lúcia Leão, por exemplo, parte para a acepção do labirinto como metáfora da própria hipermídia. Explicando essa comparação, MACHADO (1997:149):

"A melhor metáfora para a hipermídia é a do labirinto, pois a hipermídia reproduz com perfeição a estrutura intrincada e descentralizada deste último. Na verdade, a forma labiríntica da hipermídia repete a forma labiríntica do chip, ícone por excelência da complexidade do nosso tempo. (...) A regra básica de exploração [dos labirintos da antiguidade] era, diante de uma encruzilhada, optar por todas as alternativas, percorrendo cada uma delas isoladamente e voltando em seguida ao mesmo ponto de partida para optar por outro caminho. O melhor percurso não era aquele que permitia chegar mais depressa ao fim, mas o que possibilitava visitar o maior número possível de lugares, sem ficar repetindo infinitamente o mesmo caminho".

Em trabalhos como Plural Maps, apresentado no núcleo Net Arte Brasil da 25ª Bienal de São Paulo, em 2002; e “Labirinto de espelhos”, Leão apresenta referências mitológicas que se justapõem ao universo computacional.

Ao colocar a tecnologia como cerne em seus questionamentos, alguns artistas brasileiros partem para uma busca comum: o elemento humano nas tecnologias. O tema foi discutido em um dos eventos mais importantes de arte e novas mídias realizados no Brasil: “A Arte no Século XXI: A Humanização das Tecnologias”, em 1995. Nesta ocasião, a artista Diana DOMINGUES (1997:25), organizadora do evento, escreve:

"Neste panorama da arte tecnológica interativa, devemos pensar os limites da arte e de um corpo tecnologizado demarcados pelas novas fronteiras dos territórios digitais. (...) A presença do corpo em ação é uma das questões da arte contemporânea. Neste século, encontramos não somente representações que falam do corpo como na história da arte, mas ações, comportamentos que envolvem o corpo na sua capacidade física de demonstrar trabalho, ou seja, o corpo imerso no conceito de energia".

As produções de Diana Domingues, a partir dos anos 90, partem para a discussão de temas ligados à biologia e à medicina, estabelecendo através de diversos trabalhos, a discussão na relação entre o corpo e as novas tecnologias de produção de imagens. Mais adiante adentra também na discussão do corpo de modo mais comportamental através de trabalhos intrinsecamente interativos. INSN(H)AK(R)ES (2000), por exemplo, é uma web instalação onde o visitante pode controlar um robô-cobra que convive dentro de um recipiente com cobras verdadeiras. O visitante tem uma visão em primeira pessoa através de uma câmera instalada na cabeça do robô. Este trabalho foi anexado a outro mais recente, Ouroboros, apresentado em 2002, no núcleo Net Arte Brasil da 25ª Bienal de São Paulo.

Suzete Venturelli também transita pelas considerações em torno do corpo humano, estabelecendo construções virtuais através de modelagens em terceira dimensão e animação computacional. Nos ambientes de simulação, o corpo humano encarna-se em um avatar: termo originário da literatura hindu – uma reencarnação de Deus na terra – para determinar a personagem que o visitante irá desenvolver no espaço virtual. Venturelli trabalha com o corpo virtual e suas possibilidades estéticas, inserindo-se na prática tecnológica no desenvolvimento dos seus trabalhos. Sua pesquisa artística relaciona-se com Yoichiro Kawaguchi, artista japonês pioneiro na área de animação computacional, que cria mundos virtuais inspirados em vegetais, animais e híbridos totalmente imaginados. Aproxima-se também da pesquisa dos franceses Hervé Huitric e Monique Nahas, que desenvolvem modelos do corpo humano animados utilizando curvas matemáticas. Um dos trabalhos de Venturelli é Kennetic World (2000), programa artístico multiusuário imersivo que permite a comunicação entre os visitantes, estabelecendo percursos de presença, num espaço vivo, mutável.

Em proximidade com Suzete Venturelli, está a artista brasileira Tânia Fraga que também desenvolve pesquisas no campo das imagens de simulação – terceira dimensão e VRML – desenvolvendo espaços de realidade virtual na rede Internet. Desenvolve objetos virtuais tridimensionais que visam a interação do visitante imerso em seus espaços. Um dos seus trabalhos disponíveis na rede Internet é Xmantic Web(1999), desenvolvido no Laboratório Virtual de Pesquisa em Arte (LVPA) da Universidade de Brasília, propõe diálogos multiculturais.

A pesquisa de artistas como Kiko Goifman, Eduardo Kac e Gilbertto Prado, que serão citados nos capítulos seguintes, também se apresentam com importância diante de uma visão mais panorâmica da produção artística brasileira para a Internet.



 

Parte integrante da dissertação de mestrado "Web Arte no Brasil: algumas interfaces e poéticas no universo da rede Internet", realizada sob a orientação do Prof. Dr. Gilbertto Prado, na UNICAMP.
© Fábio Oliveira Nunes: entre em contato.

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